31
Maio
13

BEFORE BREAKFAST – de Eugene O’Neill.

ANTES DO CAFÉ

de

Eugene O’Neill

 

 

 

Tradução

de

Flávio de Campos.
setembro, 1984.

Uma sala pequena, conjugando cozinha e sala de jantar, num apartamento em Christopher Street, Nova York. Ao fundo, à direita, uma porta dá para o hall de entrada. À esquerda da porta, uma pia e um fogão de duas bocas. Acima do fogão e estendendo‑se pela parede da esquerda, um armário de madeira para pratos, etc. À esquerda, duas janelas que dão para fora, onde algumas plantas morrem nos vasos por falta de cuidado. Diante das janelas, uma mesa coberta com uma toalha de oleado. Junto à mesa, duas cadeiras de palha; uma outra cadeira, encostada à parede, à direita da porta ao fundo. Na parede da direita, ao fundo, uma porta que dá para o quarto de dormir. Mais à frente, diversas peças de roupa de homem e de mulher, penduradas em ganchos. Uma corda de secar roupas vai do canto esquerdo, ao fundo, à parede da direita, à frente dos ganchos. São mais ou menos oito e meia da manhã de um lindo dia de sol, no início do outono.

A Sra. Rowland vem do quarto de dormir, bocejando. As mãos, dão os retoques finais na desalinhada toalete; enfiam grampos nos cabelos amarelados e amontoados no alto da cabeça. Ela é de estatu-ra mediana, com tendência a gordura disforme, acentuada por um vestido azul também sem forma, desbotado e gasto. O rosto é inexpressivo, de traços pequenos e olhos de um azul indefinível; ansiedade nos olhos, no nariz e na boca malevolente e flácida. Tem pouco mais de 20 anos, mas parece bem mais velha.

Ela vai até o meio da sala e boceja, espreguiça os braços ao máximo. Os olhos sonolentos passeiam pela sala com a irritação de alguém cujo longo sono não foi um longo descanso. Cansada, ela vai até as roupas penduradas à direita e tira um avental de um gancho. Tenta amarrá‑lo à cintura. O nó não obedece os dedos desajeitados. Exasperada, ela solta uma praga. Por fim consegue amarrá‑lo, vai lentamente até o fogão e acende uma das bocas. À pia, enche a chaleira e coloca‑a no fogo. Em seguida, deixa‑se cair na cadeira junto à mesa e põe a mão na testa como se estivesse com dor de cabeça. De repente seu rosto se ilumina. Ela lança um rápido olhar ao armário e olha fixamente para o quarto. Ela apura os ouvidos um tempo.

Sra. Rowland: (EM VOZ BAIXA) Alfred! Alfred!

(DO QUARTO AO LADO NÃO VEM RESPOSTA. ELA CONTINUA, DESCONFI-ADA E A VOZ MAIS ALTA)

Não precisa fingir que está dormindo.

(DO QUARTO NÃO VEM RESPOSTA. MAIS SEGURA DE SI, ELA SE LEVAN-TA DA CADEIRA E, NA PONTA DOS PÉS, VAI ATÉ O ARMÁRIO. DEVAGAR, ELA ABRE UMA DAS PORTAS E, COM CUIDADO PARA NÃO FAZER BARULHO, TIRA DE TRÁS DOS PRATOS UMA GARRAFA DE GIM E UM COPO. AO FAZÊ‑LO, ELA BATE NO PRATO DE CIMA: UM PEQUENO RUÍDO. ELA SE SOBRESSALTA E OLHA DESAFIADORA EM DIREÇÃO AO QUARTO.)

(COM VOZ TRÊMULA) Alfred!

(APÓS UMA PAUSA E ATENTA AO MENOR RUÍDO, ELA PEGA O COPO, DERRAMA UMA DOSE ENORME E BEBE TUDO DE UMA VEZ. ENTÃO, COM PRESSA, ELA RECOLOCA A GARRAFA E O COPO EM SEU ESCONDERIJO; FECHA A PORTA DO ARMÁRIO COM O MESMO CUIDADO COM QUE O ABRIU. COM UM LONGO SUSPIRO DE ALÍVIO, ELA TORNA A SE ABOLETAR NA CADEIRA. A ENORME DOSE DE ÁLCOOL TEM EFEITO QUASE IMEDIATO. SEUS TRAÇOS SE ANIMAM, ELA PARECE RECUPERAR ENERGIA E OLHA PARA A PORTA DO QUARTO COM UM SORRISO DURO E VINGATIVO. COM RAPIDEZ, SEUS OLHOS VASCULHAM A SALA E SE FIXAM NUM PALETÓ E COLETE PENDURADOS NUM GANCHO À DIREITA. ELA VAI FURTIVAMENTE ATÉ A PORTA E TENTA OUVIR QUALQUER MOVIMENTO.)

(SUSSURRA) Alfred!

(NENHUMA RESPOSTA. COM UM MOVIMENTO RÁPIDO, ELA TIRA O PALETÓ E O COLETE DO GANCHO E VOLTA COM ELES PARA A CADEIRA. SENTA‑SE E, DE CADA BOLSO, TIRA E RECOLOCA RAPIDAMENTE VÁRIOS OBJETOS. POR FIM, NO BOLSO INTERNO DO COLETE, ELA ENCONTRA UMA CARTA. OBSERVA A CALIGRAFIA E DIZ PARA SI, LENTAMENTE)

Eu sabia!

(ELA ABRE A CARTA E LÊ. A PRINCÍPIO SUA EXPRESSÃO É DE ÓDIO, MAS, À MEDIDA EM QUE CHEGA AO FINAL, TRANSFORMA‑SE EM TRIUNFANTE PERVERSIDADE. POR UNS MOMENTOS ELA PERMANECE MERGULHADA EM PROFUNDA MEDITAÇÃO, O OLHAR FIXO À FRENTE, A CARTA NAS MÃOS E UM SORRISO CRUEL NOS LÁBIOS. EM SEGUIDA, RECOLOCA A CARTA NO BOLSO DO COLETE E, AINDA CUIDANDO PARA NÃO ACORDAR NINGUÉM, PENDURA AS ROUPAS NO MESMO GANCHO, VAI ATÉ A PORTA DO QUARTO E OLHA PARA SEU INTERIOR.)

(EM VOZ ALTA E ESTRIDENTE) Alfred!

(MAIS ALTO) Alfred!

(DO QUARTO OUVE‑SE UM RESMUNGO ABAFADO E SONOLENTO)

Você não acha que está na hora de se levantar, não? Vai ficar na cama o dia todo, é?

(GIRA O CORPO E VOLTA PARA A CADEIRA)

Eu sei, o que tem de preguiça aí dá pra deixar você na cama até morrer.

(ELA SE SENTA E OLHA PARA FORA DA JANELA, IRRITADA)

A gente nem tem como saber que horas são, depois que você botou o seu relógio no prego feito um bocó. Você sabia muito bem que era a última coisa de valor que a gente tinha. Com você é só “botar no prego, botar no prego, botar no prego”. Qualquer coisa que te livre de arrumar um emprego, qualquer coisa que te livre de trabalhar feito homem.

(NERVOSA, ELA BATUCA O PÉ NO CHÃO E MORDISCA OS LÁBIOS; APÓS BREVE PAUSA)

Alfred! Levanta daí, está me ouvindo? Quero fazer essa cama antes de sair. Estou cheia dessa bagunça que você faz. (COM SATISFAÇÃO VINGATIVA) Se bem que a gente não vai ficar aqui muito tempo, se você não arrumar dinheiro. Deus sabe que eu faço o que me cabe ‑ mais do que me cabe ‑ saindo para costurar todo santo dia; enquanto você ‑ ha! ‑ você bota a pose de granfino e sai desfilando pelos bares com aquele bando de artistas vagabundos lá da praça.

(PAUSA BREVE, DURANTE A QUAL ELA, À MESA, BRINCA NERVOSAMENTE COM UMA XÍCARA E UM PIRES.)

E onde, eu queria saber onde é que você vai arrumar dinheiro? O aluguel vence essa semana e o proprie-tário, você sabe, ele vai despejar a gente logo logo. Você diz que “não consegue” arrumar emprego. É mentira e você sabe muito bem disso. Nem procurar você procura. Vive no mundo da lua, escrevendo uns poeminhas e uns contos bobos que ninguém vai comprar, que ninguém é bobo. Eu sempre arrumo serviço, seja ele qual for. É isso que salva a gente de morrer de fome.

(ELA SE LEVANTA, VAI ATÉ O FOGÃO, OLHA DENTRO DA CHALEIRA PARA VER SE A ÁGUA FERVE, VOLTA E SE SENTA.)

Eu não dou conta de tudo, eu não aguento. Hoje você tem que arrumar dinheiro. Dado, emprestado ou roubado, mas tem que arrumar. (COM UMA RISADA DE DESPREZO) Arrumar como? Para pedir, você é muito orgulhoso; emprestado, você já passou da conta, coragem para roubar, você não tem.

(PAUSA. LEVANTA‑SE COM RAIVA)

Pelo amor de Deus, ainda não se levantou!? Você é bem capaz de dormir de novo ‑ ou fingir que está dormindo.

(ELA VAI À PORTA DO QUARTO E OLHA PARA O SEU INTERIOR)

Ah, está de pé. Estava na hora. Não precisa ficar me olhando assim. Essa sua pose não me engana mais. Conheço você muito bem ‑ melhor do que imagina ‑ você e as suas encrencas.

(AFASTA‑SE DA PORTA) Sei de muitas coisas, meu caro. Por enquanto, deixa para lá o que eu sei. Te conto antes de sair, pode ficar sossegado.

(ELA VAI ATÉ O MEIO DA SALA E PÁRA, IRRITADA)

Muito bem. Acho que vou aprontar o café. Se bem que não tem muito o que aprontar. Ou será que você tem um dinheirinho aí?

(ELA ESPERA POR RESPOSTA QUE NÃO VEM)

Que pergunta!

(ELA SOLTA UMA RISADA CURTA E SECA)

A essa altura eu já devia te conhecer melhor. Ontem à noite, quando você saiu daqui todo nervosinho, eu sabia o que ia acontecer. A gente não pode confiar em você nem um segundo. Em que estado você me volta para casa! A briga da gente foi só uma desculpa para você dar uma de furioso. Para que botar o relógio no prego, se você só queria o dinheiro para gastar com bebida?

(ENQUANTO FALA, ELA VAI ATÉ O ARMÁRIO E TIRA PRATOS, XÍCARAS, ETC.)

Anda logo! Café agora sai rápido, graças a você. Hoje é só pão, manteiga e café. E não ia ter nem isso se não fosse eu, costurando até furar os dedos.

(ELA BATE O PÃO NA MESA.)

O pão está velho. Tomara que goste. Você não merece coisa melhor, mas não sei porque eu devia passar por isso.

(VAI ATÉ O FOGÃO)

O café fica pronto já, já – e não pensa que vou esperar por você. Tinha graça…

(DE REPENTE, COM MUITA RAIVA) Que que você esta fazendo esse tempo todo?

(ELA VAI ATÉ A PORTA E OLHA PARA DENTRO) Bom, pelo menos está quase vestido. Pensei que tivesse voltado para cama. Você bem que era capaz disso. Hoje você está um horror! Pelo amor de Deus, faz a barba! Você está um nojo! Parece um mendigo. Está na cara que ninguém vai te dar emprego. E com toda razão, você não aparenta um pingo de decência.

(ELA VAI ATÉ O FOGÃO)

Água quente é o que não falta. Não tem como se desculpar.

(ELA DERRAMA UM POUCO DA ÁGUA DA CHALEIRA DENTRO DE UMA TIGELA)

Toma.

(ELE ESTICA A MÃO PARA DENTRO DA SALA PARA PEGÁ‑LA. A MÃO DELE É FINA, OS DEDOS MAGROS; TREME E DERRAMA UM POUCO DA ÁGUA NO CHÃO.)

(COM DEBOCHE) Olha a sua mão como treme! Devia parar de beber. Você não aguenta. É do tipo com tendência a “delirium tremens”. Você está nas últimas! (OLHA PARA O CHÃO) Olha só a sujeira que você me faz nesse chão: é guimba de cigarro e cinza por todo lado. Será que não dá para colocar num pires? Não, sua consideração não vai a tanto. Nunca pensa em mim; não é você quem varre a sala…

(PEGA A VASSOURA E COMECA A VARRER FURIOSAMENTE, LEVANTANDO UMA NUVEM DE PÓ. DO QUARTO VEM O SOM DE UMA NAVALHA SENDO AFIADA.)

Anda logo! Deve estar quase na hora de eu ir embora. Se chego atrasada, eu perco o emprego e aí não vou poder mais te sustentar. (COM SARCASMO) Aí você ia ter que trabalhar ou qualquer outra catástrofe do gênero.

(VARRE SOB A MESA)

O que eu quero saber é se você vai ou não vai procurar emprego hoje. Você sabe, a sua família parou de ajudar a gente. Eles também se encheram de você.

(DEPOIS DE VARRER ALGUM TEMPO EM SILÊNCIO)

Estou cheia dessa vida. Vontade de voltar para casa, bem que eu tenho, não fosse esse meu orgulho de não querer que eles saibam do fracasso que você é. Você, filho único do milionário Rowland, formado em Harvard, poeta, o melhor partido da cidade ‑ ha! (AMARGA) Hoje ninguém ia invejar a minha conquista. Que que foi o nosso casamento, diz aí? Mesmo antes do “milionário” do seu pai morrer, devendo dinheiro a Deus e ao mundo, você nunca dedicou um minuto do seu tempo à sua mulher. Talvez achasse que eu devia estar muito contente em você ser bastante “honrado” a ponto de se casar comigo, depois de me meter naquela fria. Tinha era vergonha de mim com os seus amigos gra-finos porque o meu pai e só um quitandeiro, isso sim. Pelo menos o meu pai é honesto, coisa que ninguém pode dizer do seu.

(COM FIRMEZA, ELA VARRE EM DIREÇÃO À PORTA. APOIA‑SE NA VASSOURA POR UM INSTANTE.)

Você esperava que todo mundo fosse achar que se casou obrigado e que todo mundo ia ter pena de você, não foi? Foi logo dizendo que me amava, me fazendo acreditar nas suas mentiras, antes da coisa acontecer, foi ou não foi? Me fez acreditar que não queria que o seu pai me pagasse para eu sumir, como ele tentou fazer. Hoje eu sei. Não foi à toa que eu vivi com você esse tempo todo. (SOMBRIA) Ainda bem que o pobrezinho nasceu morto. Que pai que você seria!

(ELA FICA QUIETA E TACITURNA POR UM TEMPO. E CONTINUA, NUMA ESPÉCIE DE ALEGRIA SELVAGEM.)

Só que eu não sou a única a te agradecer por ser infeliz, não. Tem pelo menos uma outra e esperança de se casar contigo agora, ela não pode ter.

(ELA COLOCA A CABEÇA DENTRO DO QUARTO.)

A Helena, hem?
(ELA RECUA, UM POUCO AMENDRONTADA.)

Não olha para mim com essa cara! Li, eu li a carta. E daí? Estou no meu direito. Sou sua mulher. E eu sei de tudo, não adianta mentir. Não precisa me olhar com essa cara. Essa sua pose não me mete mais medo. Não fosse eu, nem café você tinha, hoje.

(ELA RECOLOCA A VASSOURA NO CANTO.)

Nunca teve um pingo de gratidão por nada do que eu fiz, nem um pingo…

(ELA VAI ATÉ O FOGÃO E COLOCA O CAFÉ NA CHALEIRA.)

Café está pronto. E eu não vou esperar por você, não.

(ELA TORNA A SE SENTAR NA CADEIRA. UMA PAUSA E ELA ESFREGA A CABEÇA COM AS MÃOS)

Estou louca de dor de cabeça. É o fim eu ter que trabalhar numa sala abafada o dia todo, com essa dor de cabeça. E eu não ia, se você fosse um pouco homem. O certo era eu ficar na cama e não você. Você sabe como eu estive doente esse ano e ainda assim reclama quando eu tomo umazinha para me animar. (COM UMA RISADA SECA) Eu sei que você adoraria me ver morta e fora da sua vida. Aí você estava livre para correr atrás de todas essas garotinhas bobocas que pensam que você é uma pessoa incrível que ninguém compreende ‑ essa tal de Helena e as outras.

(DO QUARTO VEM UMA EXCLAMAÇÃO AGUDA DE DOR. COM SATISFAÇÃO:)

Ha! Eu sabia que você ia acabar se cortando. É bem feito para você aprender. Sabe que não pode beber a noite inteira com os nervos nesse estado.

(ELA VAI ATÉ A PORTA E OLHA PARA DENTRO.)

Por que que você está tão palido? Para que ficar se olhando no espelho desse jeito? Pelo amor de Deus, limpa esse sangue da cara!

(SOBRESSALTADA) É horrível.

(MAIS ALIVIADA) Isso, melhorou. Nunca pude ver sangue.

(ELA SE AFASTA UM POUCO DA PORTA)

Você devia desistir e ir ao barbeiro. Sua mão treme que é um horror. Por que que você me olha assim?

(ELA DÁ AS COSTAS PARA A PORTA)

Ainda está com raiva de mim por causa da carta? (DESAFIADORA) Eu tinha o direito de ler. Sou sua mulher.

(ELA VAI À CADEIRA E SE SENTA. APÓS UMA PAUSA)

Eu sempre soube que você tinha alguém. Suas desculpas de ficar na biblioteca nunca me enganaram. Afinal, quem é essa tal de Helena? É artista? Ou será que também escreve poesia? Pela carta, parece… Aposto que ela disse que as suas coisas eram as melhores do mundo e você acreditou, feito um bocó. Ela é moça? É bonita? Eu também era moça e bonita, quando você me enganou com o seu papo sofisticado, poético. Mas viver com você acaba logo com qualquer um…

(VAI AO FOGÃO E PEGA O CAFÉ)

Café está pronto. (COM DESPREZO) Café…

(SERVE UMA XÍCARA DE CAFÉ PARA SI E COLOCA A CHALEIRA NA MESA.) O café vai esfriar. Que que você está fazendo? A barba, ainda, meu santo Deus!? Devia desistir. Qualquer dia desses acaba se cortando de verdade.

(ELA CORTA O PÃO E PASSA MANTEIGA. NAS FALAS SEGUINTES, ELA COME E BEBE CAFÉ.)

Vou acabar de comer e vou ter que sair correndo. Um de nós tem que trabalhar…

(COM RAIVA) Você vai procurar emprego ou não vai? Por que que um dos seus amigos gra-finos não te ajuda? Eles acham que você é o tal… Eles só gostam mesmo é do seu papo furado.

(FICA SENTADA EM SILÊNCIO UM TEMPO.)

Tenho pena dessa tal de Helena, seja ela quem for. Será que você não se importa com os outros, não? Que que a família dela vai dizer? Eu li, ela fala da família na carta. Que que ela vai fazer? Vai ter a criança ou vai a um médico daqueles? Essa é boa. Onde é que ela vai arrumar dinheiro? Ela é rica?

(ELA ESPERA ALGUMA RESPOSTA.)

Hum! Não vai me contar nada não, é? Estou pouco ligando. Pensando bem, não tenho tanta pena dela assim, não. Ela sabia o que estava fazendo. Pela carta, dá para ver que ela não é nenhuma menininha, como eu era. Ela sabe que você é casado? Claro que sabe. Todos os seus amigos sabem da sua “infelicidade conjugal”. Sei que eles têm pena de você, mas eles não sabem do meu lado da estória. Iam ter outra opinião se soubessem.

(POR UM INSTANTE O COMER IMPEDE‑A DE PROSSEGUIR.)

Helena… Ela deve ser das boas, se sabia que você era casado. Que que ela espera, hem? Que eu vou me separar de você e deixar que vocês se casem? Será que ela acha que eu sou louca a esse ponto, depois de tudo o que você me fez passar? Duvido! E você sabe muito bem que de mim você não consegue divórcio. Ninguém nunca pode me acusar de ter feito nada de errado.

(ELA BEBE O ÚLTIMO GOLE DE CAFÉ.)

Ela merece é sofrer, isso sim. Vou te dizer uma coisa. Eu acho que a sua Helena é igualzinha a qualquer piranha de rua, igualzinha!

(DO QUARTO VEM UM GEMIDO ABAFADO DE DOR.)

Se cortou de novo? Bem feito.
(ELA SE LEVANTA, TIRA O AVENTAL)

Bom, tenho que correr.

(RABUGENTA) Ah, como é boa a vida que eu levo!

(UM SOM DESPERTA‑LHE A ATENÇÃO. ELA PÁRA E ESCUTA)

Pronto! Derramou água para todo lado. Não adianta dizer que não. Estou escutando muito bem a água caindo no chão.

(UMA VAGA EXPRESSÃO DE MEDO SURGE EM SEU ROSTO)

Alfred! Por que que você não me responde?

(ELA SE MOVE VAGAROSAMENTE EM DIREÇÃO AO QUARTO. OUVE‑SE O RUÍDO DE UMA CADEIRA QUE TOMBA E ALGO SE ESPATIFA NO CHÃO. ELA FICA ESTÁTICA E TRÊMULA DE MEDO.)

Alfred! Alfred! Responde! Que que você derrubou? Você ainda está bebado?

(INCAPAZ DE SUPORTAR A TENSÃO, ELA CORRE PARA A PORTA DO QUARTO.)

Alfred!

(TOMADA DE HORROR, ELA PERMANECE DE PÉ À PORTA, OLHA PARA O CHÃO DO QUARTO. EM SEGUIDA, GRITA DESCONTROLADAMENTE E CORRE ATÉ A OUTRA PORTA. DESTRANCA‑A, ABRE‑A FURIOSAMENTE E SAI, BERRANDO FEITO LOUCA.)

CAI O PANO


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