31
Maio
13

DRÁCULA – de Hamilton Deane & John Balderston.

 

 

DRÁCULA
– a peça do Vampiro.

de

Hamilton Deane

&

John Balderston.

 

 

 

 

 

 

Tradução
de
Flávio de Campos.

Revista em
setembro de 2002.

 

————–

Personagens, por ordem de entrada em cena:

Srta. Wells, A Criada.
John Harker.
Dr. Seward.
Abraham Van Helsing.
R.M. Renfield.
Butterworth, O Enfermeiro.
Lucy Seward.
O Conde Drácula.

* * * * * * * * * *

ATO I – A biblioteca no andar térreo do Sanatório do Dr. Seward, em Purley, Inglaterra. Noite.
ATO II – O quarto de vestir de Lucy. A noite seguinte.
ATO III – Cena I: A biblioteca. Trinta e duas horas depois, pouco antes do amanhecer.
Cena II: Uma caverna, pouco depois do amanhecer.

* * * * * * * * * *

ATO I

A biblioteca no andar térreo do sanatório do Dr. Seward, em Purley, Inglaterra.

O aposento é medieval, mas a mobília sugere conforto e estilo moderno.
O teto, abobadado, se sustenta sobre duas colunas de pedra.
As paredes são de pedra. Nas paredes, painéis de madeira e tapeçarias.
Na parede da direita, uma lareira medieval. O fogo arde.
À direita do centro, um sofá.
Uma grande poltrona na direita.
Na esquerda, uma mesa. Atrás dela, uma cadeira de braços. Uma cadeira pequena à direita da mesa.
Portas duplas na parede do fundo.
Na esquerda-alta, uma grande janela dupla dá para o jardim. As cortinas da janela estão fechadas.
Na esquerda-baixa, uma porta.
Na parede do fundo, na direita, uma estante com um painel corrediço imperceptível.

Entra a Criada, uma bela jovem, introduzindo John Harker no aposento.
Harker é um jovem bem apessoado de mais ou menos vinte e cinco anos. Um típico inglês de colégio tradicional, não obstante o comportamento impulsivo, incisivo, nervoso.

Harker: (AGITADO) A senhora tem certeza?
Criada: A Senhorita Lucy continua na mesma, senhor.

Pela esquerda-baixa, entra o dr. Seward.
O dr. Seward é um psiquiatra de mais ou menos cinquenta e cinco anos. Típico profissional mergulhado num mundo de livros e pacientes, inteligente, ele não é um homem de ação nem possui temperamento forte.
A Criada sai, fechando as portas.

Seward: John!

Harker e Seward se cumprimentam.

Harker: Doutor Seward, o que está acontecendo? Por que o senhor me chamou?
Seward: Meu caro John, disse-lhe em meu telegrama que não havia nada de novo.
Harker: O senhor disse “nada de novo, não se preocupe”, mas acrescentou “venha logo”.
Seward: E você não perdeu tempo!
Harker: Entrei no carro e vim voando de Londres. Doutor, com certeza nós podemos fazer outra coisa por ela. Eu daria a minha vida, se isto salvasse a Lucy.
Seward: Não duvido, meu jovem. Seu amor por minha filha contém o fervor da juventude. Eu também amo a Lucy. Ela é o que me resta na vida. Foi tentado tudo o que a ciência médica tem a oferecer.
Harker: A ciência médica teve muito pouco a oferecer para a Mina.
Seward: Pobre Mina. Morreu após apresentar os mesmos sintomas misteriosos da Lucy.

Das coxias à esquerda, ouve-se uma gargalhada selvagem, histérica.

Harker: Santo Deus, o que foi isso!?

Seward senta-se à mesa.

Seward: Foi só o Renfield, um dos meus pacientes.
Harker: Mas o senhor nunca manteve pacientes violentos aqui no seu sanatório. A Lucy não pode ser obrigada a ouvir loucos furiosos.
Seward: Tem razão. Farei com que ele seja removido. Até pouco tempo atrás ele ficava sempre sossegado. Ficarei triste em perdê-lo.
Harker: O quê!?
Seward: Trata-se de um caso raro: zoofagia.
Harker: Que é isso?
Seward: Louco por seres vivos.
Harker: Como!?
Seward: Ele acredita que, devorando seres vivos, pode prolongar a própria vida.
Harker: Santo Deus!
Seward: Pega as moscas e come. Às vezes, para variar, ele dá moscas para as aranhas. As aranhas engordam e ele come as aranhas.
Harker: Santo Deus, que horror!

Harker senta-se à mesa.

Harker: Mas me fala da Lucy. Por que o senhor me chamou?
Seward: Ontem telegrafei para a Holanda, para o meu velho amigo Van Helsing. Ele deve estar chegando. O carro acabou de descer atá a estação para pegá-lo. Vou entregar o caso de Lucy para ele.
Harker: Outro especialista em anemia?
Seward: Não, meu jovem. Seja lá o que for, isto não é anemia. E este meu amigo é, entre os vivos, a maior autoridade em doenças misteriosas.
Harker: (LEVANTA-SE) Deus sabe que esta doença é misteriosa, mas os sintomas são muito claros.
Seward: Como eram os da pobre Mina… Cristalinamente claros.

Um cão uiva ao longe.
Outros cães, próximos e distantes, se unem, num coro lúgubre.
Seward se levanta e vai até a lareira.

Seward: Aí estão eles. Sempre a mesma coisa. Todos os cães da redondeza, num raio de um quilômetro…

Harker vai até a janela.

Harker: Parece uivo de pavor.
Seward: Ouvimos este coro todas as noites, desde que Mina ficou doente.
Harker: Quando eu estava na Rússia e os cachorros uivavam assim, as pessoas diziam que os lobos estavam rondando.

Seward pega um cigarro sobre o console da lareira, acende-o.

Seward: Difícil imaginar lobos por aqui, a trinta quilômetros de Londres.
Harker: Mas essa sua casa é completamente isolada.

Harker olha pela janela.

Harker: Não se vê nada. A não ser lá, o Castelo de Carfax, o que foi comprado pelo Conde.

Seward se afasta da lareira.

Seward: Ontem à noite, ele tornou a vir até aqui, o seu amigo, o Conde Drácula.
Harker: O Conde Drácula não é meu amigo.
Seward: Não diga isto. Ele chegou a se oferecer para uma transfusão, caso precisássemos de outro doador.

Seward se senta no sofá.

Harker: Quanta generosidade. Não esperava isso dele.
Seward: Ele parece realmente interessado em Lucy. Se ele fosse jovem, eu iria pensar…/
Harker: O quê!?
Seward: Não… O comportamento dele atesta que não existe nada neste sentido. John, nós precisamos de solidariedade e eu sou grato ao Conde por tudo o que ele tem feito.
Harker: Eu também sou eternamente grato a qualquer pessoa que ajudar a Lucy.
Seward: E creio que ele realmente ajuda Lucy. Ela parece se alegrar sempre que ele vem aqui.
Harker: Isso é bom. Posso ver a Lucy, agora?
Seward: (LEVANTA-SE) Vamos juntos.

A campaínha toca.
Harker vai até a porta à esquerda.
Seward apaga o cigarro no cinzeiro.

Seward: Deve ser Van Helsing. Vá na frente, que eu já vou.

Harker sai.
A Criada introduz Abraham Van Helsing, que entra imediatamente.
Van Helsing é um homem de estatura mediana, pouco mais de cinquenta anos, rosto sagaz bem barbeado, sobrancelhas grossas e grisalhas, uma vasta cabeleira também grisalha, penteada para trás, a exibir uma testa alta. Olhos escuros e penetrantes, comportamento agitado, atento e resoluto. Um homem ativo, de falas incisivas, diretas, rápidas.
Van Helsing traz uma pequena mala preta.

Criada: O Professor Van Helsing.

A Criada sai.
Seward e Van helsing cumprimentam-se efusivamente.

Seward: Meu querido Van Helsing, jamais poderei retribuir-lhe este enorme favor.
Van Helsing: Bobagem. Fosse um dos seus pacientes e não a sua filha, eu teria vindo do mesmo jeito. Eu é que lhe devo um enorme favor.
Seward: Esqueça aquilo. Você teria feito o mesmo por mim. Vou providenciar alguma coisa para você comer.

Seward vai tocar a sineta, mas Van Helsing o interrompe com um gesto.

Van Helsing: Jantei a bordo. Não perco tempo quando tenho trabalho pela frente.

Van Helsing coloca a mala sobre a mesa.

Seward: Ah, Van Helsing, você me encanta como sempre. Não faz um minuto que está aqui e já me conquistou.
Van Helsing: Você me escreveu sobre os sintomas de sua filha. Fale mais da outra moça, a que morreu.

Seward oferece a Van Helsing a cadeira à direita da mesa.
Eles se sentam.

Seward: Pobre Mina Weston. Tinha a idade da Lucy. Eram inseparáveis. Mina estava passando uns dias aqui quando ficou doente. Como disse no telegrama, ela simplesmente foi ficando cada vez mais fraca. Foi definhando, definhando… Mas não apresentava sintomas de anemia. Os exames de sangue não acusavam anormalidade alguma.
Van Helsing: Você falou em transfusão.
Seward: Sim, prescrição de Sir William Briggs.

Sewar exibe o antebraço.

Seward: Está vendo esta marca? Lucy e o seu noivo, John Harker, também doaram sangue.
Van Helsing: Hum… Três transfusoes… E o efeito?
Seward: Ela se reanimava a cada uma, a cor voltava ao rosto, mas, no dia seguinte, amanhecia pálida e fraca novamente. Reclamava de “sonhos assustadores”. Há dez dias, fomos encontrá-la em coma. Não houve nada que a reanimasse. E ela acabou morrendo.
Van Helsing: E os outros sintomas?
Seward: Nada, nenhum. A não ser – eu lhe escrevi a respeito – duas pequenas feridas no pescoço.
Van Helsing: Foi por isso que eu vim tão depressa. Como eram?
Seward: Apenas dois pontinhos brancos, vermelhos no centro.

Van Helsing meneia a cabeça, assustado.

Seward: Concluímos que ela deve ter espetado a pele com um alfinete, durante o seu delirio, ao tentar prender uma echarpe.
Van Helsing: Hum… E na sua filha, os sintomas são os mesmos?
Seward: Exatamente os mesmos. Ela também reclama de “sonhos assustadores”. Van Helsing, você morou no Brasil. Isto não seria alguma coisa estranha à nossa experiência médica aqui na Inglaterra?
Van Helsing: (ASSUSTADO) Pode ser.

Detrás da cortina da janela, ouve-se uma gargalhada.
Van Helsing se levanta.
Seward também se levanta, vai até a janela e abre as cortinas.
Renfield está lá.
Renfield é um jovem repugnante, de rosto deformado, olhos astutos e cabelo desgrenhado.
Seward o traz para dentro.

Seward: Renfield, como foi que você saiu do seu quarto!?
Van Helsing: Quem é ele?

Seward vai até a sineta. Toca-a.

Seward: Um dos meus pacientes. Ele entrar aqui é de uma negligência imperdoável.
Van Helsing: O senhor ouviu nossa conversa?
Renfield: Bla-bla-blá, ble-ble-blé, blu-blu-blu…
Seward: Renfield… Renfield, você sabe que não pode ficar andando por ai, assim. Como foi que você saiu do quarto?
Renfield: (RI) E como é que foi?
Seward: Como vão as moscas? (PARA VAN HELSING) O Senhor Renfield tem um hobby: ele come moscas. Suspeito que você coma aranhas também, de vez em quando, não é, Renfield?
Renfield: A aranha disse pra mosca: – Vamos, entre, a casa é sua, tenha a bondade, fique à vontade. E a mosca: – Com licença, estou só de passagem, não quero incomodar. E a aranha nhéco na mosca.

Seward e Van Helsing fazem que não entenderam.

Renfield: Doutor, o senhor, o seu amigo… Me perdoe, doutor, mas o senhor não me apresentou ao seu amigo.
Seward: (CENSURA) Renfield, Renfield…
Van Helsing: Deixe, Seward.

Entra a Criada.

Seward: Diga ao Enfermeiro que venha imediatamente até aqui.
Criada: Sim, senhor.

A Criada sai.

Seward: Professor Van Helsing, este é o Senhor Renfield, um dos meus pacientes.

Van Helsing vai até ele. Eles apertam as mãos.
Van Helsing esgrega o polegar nos dedos de Renfield.
Renfield puxa sua mão com violência.

Renfield: Ah! Abraham Van Helsing, quem não conhece? O trabalho de pesquisa, as inquirições sobre certas moléstias obscuras, não de todo desvinculadas das energias e poderes que a plebe rude não crê existir. O senhor há de ocupar um lugar na história.

Entra o Enfermeiro, uniformizado.
Ao ver Renfield, ele leva um susto.
Embaraçado, ele olha para Seward.

Seward: (TÃO SEVERO QUANTO SUA NATUREZA GENTIL PERMITE) Butterworth, você permitiu que seu paciente escapasse do quarto mais uma vez!
Enfermeiro: O Doutor não vai acreditar, o Doutor pode até não acreditar, o Doutor tem que acreditar: eu tranquei ele, eu tranquei a porta dele à chave. A chave está aqui, aqui na minha mão, ó. E a porta está lá, fechada, exatamente conforme eu fechei.
Seward: Mas é a segunda vez. Ontem à noite ele escapou e quase invadiu a residência do Conde Drácula.
Enfermeiro: Dessa vez, Doutor, pela porta ele não saiu. E pela janela, é tombo de mais de dez metros.

O Enfermeiro vai até Renfield.

Enfermeiro: Lagartixa do inferno. Vam’bora.

O Enfermeiro segura Renfield pela gola do casaco e pelo braço.

Seward: Renfield, se isto tornar a acontecer, você vai ficar sem acúçar para pegar moscas.
Renfield: Mosca? Para que que eu quero mosca… agora?

O Enfermeiro olha para Van Helsing.

Renfield: Mosca, mosca… Bicho mais besta.

Enquanto fala, Renfield acompanha uma mosca com os olhos.
O Enfermeiro também vê a mosca.
Indulgente, ele solta Renfield.
Com um golpe de mão, Renfield pega a mosca, encosta a mão fechada ao ouvido para escutar-lhe o zumbido, dá alguns passos e leva-a à boca. Ao ver que está sendo observado, Renfield solta a mosca.

Renfield: Mosca é forma primária de vida. Mosca é quase uma coisa, uma coisinha insignificante. Eu estou pouco ligando pra mosca.
Enfermeiro: Está, é? Mais uma das tuas presepadas, eu esmago a tua aranha de estimação e ela vai virar uma pasta branca.
Renfield: Não! Não! Senhor Butterworth! A minha aranha, não. A bichinha está ficando tão bonitinha, tão gordinha. Mais meia duzia de moscas e ela vai estar no ponto. A minha aranhinha, não!

Renfield solta uma risada curta. Esfrega as mãos.
Ele pega uma mosca no ar e come-a.

Van Helsing: Senhor Renfield, por que come moscas?
Renfield: As asas, prezado senhor. As asas das moscas são ícones dos poderes etéreos das faculdades psíquicas.
Van Helsing: Sei…
Seward: (FARTO) Butterworth, leve-o.
Van Helsing: Um momento, meu amigo. (PARA RENFIELD) E as aranhas?
Renfield: (EMOCIONADO) O Professor Van Helsing poder-me-ia explicar a razão pela qual uma aranha gigantesca viveu séculos e séculos na torre de uma velha igreja espanhola, e cresceu, e cresceu, e cresceu? Não, professor, ela jamais comia. Mas, sim, professor, ela bebia, ela bebia… Ela vinha e descia e bebia o óleo de cada uma das lamparinas da igreja.
Seward: (CHAMA) Butterworth.
Renfield: Um minuto só, Doutor Seward. Só mais um minutinho.

Van Helsing retira o acôniro de sua mala.

Renfield: (FIRME) Me manda embora, agora, numa camisa de força! Me acorrenta pra eu não fugir. Isso aqui é sanatório, não é manicômio. Isso aqui não é lugar pra mim. Meus berros vão perturbar a Senhorita Lucy. Ela está doente. Eles vão fazer a sua filha ter “sonhos assustadores”, Doutor Seward. “Sonhos assustadores”…
Seward: (APAZIGUADOR) Trataremos disso amanhã de manhã.

Seward faz sinal para o Enfermeiro, que vai até Renfield.

Van Helsing: Por que o senhor tanto deseja sair daqui?

Renfield vai até Van Helsing, hesita e, por fim, decide falar.

Renfield: Vou contar pro senhor. Não pra esse débil mental do Seward. Ele é cego das idéias. Mas o senhor…/

Um enorme morcego bate contra a vidraça.
Renfield volta-se para a janela, estende os braços.

Renfield: (BALBUCIA) Não, eu não falei nada, eu juro, eu não ia falar nada, eu juro que não ia falar nada.

O Enfermeiro vai para o fundo do palco e observa Renfield.

Seward: O que foi isto?
Renfield: (VOLTA-SE) Um morcego. Foi só um morcego, senhores. Lá nos mares do oriente, em algumas ilhas nos mares do oriente, existem morcegos, os senhores sabem. Eles ficam pendurados nas árvores, balançando, balançando… E a noite cai. Nos portos, o calor é infernal. No convés dos navios, os marinheiros dormem. O dia amanhece e os marinheiros estão brancos, mortos; mortos, brancos. Que nem a Senhorita Mina, naquele dia… (PARA SEWARD) O senhor sabe.
Seward: O que é que você sabe sobre a Senhorita Mina!?
Renfield: Para o senhor, eu não conto.
Seward: (PARA O ENFERMEIRO) Leve Renfield para o quarto!
Van Helsing: (PARA SEWARD) Por favor! (PARA RENFIELD) Por que o senhor tanto deseja sair daqui?
Renfield: Para salvar a alma.
Van Helsing: Como?
Renfield: Não, não adianta. Eu não vou falar mais nada. Eu nem sei… Posso até ficar… A minha alma, pra que que ela serve? Será que não vale a pena perder a alma…/

Renfield se volta para a janela.

Renfield: … em troca do que eu vou receber?
Seward: Por que ele deu para pensar em almas? Será que as almas das moscas e aranhas penetraram-lhe a cabeça?

Renfield tapa os ouvidos com as mãos, fecha os olhos, contorce o rosto.

Renfield: Pára de me atormentar com almas! Eu não quero as almas delas. Eu só quero a vida delas. O sangue, o sangue que é a vida.
Van Helsing: E daí?
Renfield: Está na Bíblia. Eu quero alma pra quê? (PARA VAN HELSING) Alma não dá pra comer, nem pra be…/

Renfield se interrompe bruscamente.

Van Helsing: Nem para beber.

Van Helsing leva o acônito até o nariz de Renfield.
O rosto de Renfield se contrai de raiva e nojo.

Renfield: Ah, acônito!

Renfield salta pata trás.

Renfield: Você, Van Helsing, você sabe muito. Você não pode continuar vivendo!

Renfield se lança contra Van Helsing.
Seward e o Enfermeiro agarram Renfield e arrastam-no até a porta.
Renfield pára de lutar e diz, com clareza:

Renfield: Eu vou bonitinho, vou direitinho. Mas eu avisei: me manda embora. Se o senhor não mandar, Doutor Seward, o senhor vai ter que responder pela minha alma diante de Deus!

Saem Renfield e o Enfermeiro.
Ouve-se uma gargalhada selvagem.
Van Helsing coloca o acônito na mala.
Seward fecha a porta.

Seward: Meu caro amigo, você se machucou?
Van Helsing: Não.
Seward: Eu lhe peço mil desculpas.

Van Helsing dispensa as desculpas com um gesto impaciente.

Seward: Por que ele ficou tão tenso? Que erva é essa?
Van Helsing: Acônito.

Enquanto fala, Van Helsing olha rapidamente pela janela.

Seward: O que é acônito?
Van Helsing: Um medicamento altamente tóxico, preparado com a planta do mesmo nome. Plínio, o pai, faz-lhe menção. Ela só cresce nas selvas da Rússia Central. Pertence à medicina preventiva.
Seward: Nunca ouvi falar.
Van Helsing: Seward, quero que mande vigiar atentamente o Renfield.
Seward: Perfeitamente, Professor Van Helsing. Mas eu queria que cuidasse primeiro de minha Lucy.
Van Helsing: Quero este rapaz sob observação.
Seward: É um louco interessante, não resta a menor dúvida. Mas você vai ver minha filha, não vai?
Van Helsing: Preciso ver a ficha deste rapaz.
Seward: Mas, professor…
Van Helsing: Seward, você acha que eu não sei por que estou aqui?

Eles se dirigem à esquerda.

Seward: É claro que sei. Vamos pegar a ficha dele. Só não consigo ver a razão de seu interesse por Renfield, uma vez que, em sua vasta experiência…

E eles saem.
O aposento fica vazio, por uns instantes.
Lucy entra, apoiada em Harker.
Ela é uma linda jovem de vinte anos, o rosto de uma palidez sobrenatural. Ela veste uma camisola branca muito fina, o pescoço coberto por uma echarpe.
Caminhando com dificuldade, ela vai até a mesa, na qual se apoia.
Harker fecha a porta.

Harker: Pensei que eles estivessem aqui.
Lucy: John, você acha que esse novo especialista é melhor do que os outros?

Harker leva Lucy até o sofá.

Harker: Tenho certeza que sim. Seja como for, Lucy, agora que voltei, vou ficar aqui até você superar isso tudo.
Lucy: Oh, John! Mas você pode? E o seu trabalho?

Harker ajuda Lucy a se sentar.
Em seguida, ele se senta ao lado dela.

Harker: Você é mais importante.
Lucy: Eu… acho que não, John. Não acho que seja melhor você ficar.

Os olhos de Lucy passeiam pelo quarto.

Lucy: Eu, às vezes… prefiro ficar sozinha.
Harker: Meu amor, como pode dizer isso? Você está muito doente.

Harker segura-lhe a mão.

Harker: Você me ama?
Lucy: (CARINHOSA) Amo, John. Muito, demais.
Harker: É só você melhorar, que eu levo você embora. Nós nos casamos mês que vem. Não vamos esperar até maio. Nós prolongamos a nossa lua de mel por três meses e a nossa casa fica pronta em junho.
Lucy: (ALEGRE) Você acha que a gente consegue?
Harker: Claro! Mamãe queria que esperássemos, mas ela vai entender. E eu quero tirar você daqui.

Harker tenta beijar Lucy.
Lucy se afasta.

Harker: Por que você se afastou?
Lucy: Eu…
Harker: Você está tão fria, Lucy. Você está sempre tão fria… agora…
Lucy: Me perdoa, querido.

Lucy pendura-se em Harker.
Harker a abraça.
Lucy recua e deixa-se cair para trás.

Lucy: John, eu estou cansada, tão cansada…

Entram Seward e Van Helsing.

Seward: Lucy, minha querida, este é meu velho amigo, o Professor Van Helsing.

Lucy se apruma e estende a mão para ele.

Van Helsing: Senhorita Lucy…

Van Helsing beija-lhe a mão.

Van Helsing: Com certeza não se lembra do velho Van Helsing. Conheci você deste tamanhinho. Agora é uma moça. E que encanto, que beleza. Um pouco pálida, é verdade, mas nós vamos trazer de volta o rosado de seu rosto.
Lucy: Foi muita bondade ter vindo, Professor.
Van Helsing: E este com certeza é o felizardo com quem você vai se casar.
Seward: Sim. John Harker.
Harker: Professor, eu não quero ser inconveniente. Mas, se o Doutor Seward concordar, (PARA SEWARD) eu queria ficar hospedado aqui até a Lucy se recuperar.
Seward: Sua presença é extremamente bem-vinda, meu jovem.
Van Helsing: Sem dúvida alguma. Eu ia pedir que ficasse. Posso precisar de sua ajuda.

Van Helsing leva a cadeira da mesa até a esquerda do sofá.
Volta-se para Lucy.

Van Helsing: Agora recline-se, Lucy. Vamos… Assim…

Van Helsing examina cuidadosamente as pálpebras de Lucy.

Van Helsing: Quando foi que esta fraqueza apareceu?

Van Helsing se senta.
Ele examina a boca e as pontas das unhas das mãos de Lucy.
Ele tira o relógio do bolso e toma-lhe o pulso.

Lucy: Duas noites depois do enterro da Mina eu tive… um sonho assustador.
Van Helsing: (SOLTA-LHE O PULSO) Sonho assustador? Como foi?
Lucy: Antes de pegar no sono, ouvi cachorros uivando. O ar estava abafado. Deixei acesa a luz da mesinha de cabeceira, mas quando o sonho começou, parecia que uma névoa tinha entrado no quarto.
Van Helsing: A janela estava aberta?
Lucy: Estava. Eu sempre durmo de janela aberta.
Van Helsing: Ah, é claro, você é inglesa. (RI) Em meu pais, não somos tão preocupados com ar puro. Sim, prossiga.
Lucy: A névoa era tanta que só dava para ver a luz da cabeceira, uma luz fraquinha. E aí… (PROGRESSIVAMENTE HISTÉRICA) aqueles dois olhos vermelhos, olhando dentro dos meus olhos, aquela cara branca brilhando no meio da névoa, olhando dentro de mim. Um horror, um horror, tudo um horror!

Lucy cobre o rosto com as mãos.
Harker faz que vai até ela.
Van Helsing o detém com um gesto.

Van Helsing: (PARA LUCY) Pronto, pronto…

Apaziguador, Van Helsing tira-lhe as mãos do rosto.
Lucy tem um pequeno sobressalto quando Van Helsing toca suas mãos.

Van Helsing: Por favor, prossiga, Senhorita.

Lucy olha para Van Helsing e relaxa.

Lucy: De manhã, foi difícil a Criada me acordar. Eu estava fraca, abatida. Parecia que uma parte da minha vida tinha sido sugada de mim.
Van Helsing: Houve mais destes sonhos?

Lucy faz que sim.

Lucy: Quase toda noite, a mesma névoa, os mesmos olhos vermelhos, a mesma cara horrenda.

Lucy torna a cobrir o rosto com as mãos.
Van Helsing acalma-a.

Van Helsing: Pronto, agora acabou…
Seward: Demos duas transfusões. Nas duas, ela recuperou as forças, em seguida.
Lucy: Em seguida, vinha outro sonho. Agora, a noite me apavora. Eu sei, parece absurdo. Mas, por favor, não ria de mim, Professor.
Van Helsing: Não sou muito de rir.

Delicadamente, sem dizer nada, Van Helsing tira a echarpe do pescoço de Lucy.
Lucy tenta resistir.
Quando o pescoço fica nu, ela olha para Harker.
Van Helsing tem um sobressalto.
Ele retira uma lupa de sua mala e examina as suas feridas no pescoço de Lucy.
Lucy permanece de olhos fechados.
Controlando-se com dificuldade, Van Helsing coloca a lupa na mala, fecha-a e coloca a cadeira ao lado da mesa.

Van Helsing: Quando apareceram estas feridas?

Seward e Harker têm um violento sobresslato e vão até o sofá.
Eles se olham, horrorizados.

Lucy: Naquela manhã.
Harker: Lucy, por que você não nos contou?
Seward: Essa echarpe no pescoço… Lucy, você queria… esconder de nós…!

Lucy agarra o pescoço, convulsivamente.

Van Helsing: Não pressionem. (PARA LUCY) O que mais?
Lucy: (PARA SEWARD E HARKER) Não queria que vocês ficassem preocupados. Eu sabia que… a Mina também…/
Van Helsing: (AFETANDO OTIMISMO) Fez muito bem, Senhorita Lucy, fez muito bem. Não foi nada, não é nada… E este velho aqui não vai permitir que os seus sonhos sejam…/

A Criada surge à porta.

Criada: O Conde Drácula.

Drácula entra.
Um homem de mais ou menos cinquenta anos, alto, misterioso, polido e de personalidade marcante, um europeu continental na aparência e nos modos.
A presença de Drácula provoca em Lucy um misto de atração e repulsa.

Seward: Boa noite, Conde.
Drácula: Cavalheiros…

Drácula faz uma mesura aos homens.
Em seguida, vai até o sofá e faz uma mesura à maneira da corte.

Drácula: Senhorita Lucy, como se sente? Parece melhor esta noite.
Lucy: Sim, eu me sinto bem melhor, Conde, agora que este velho amigo de papai chegou para me ajudar.

Drácula volta-se para Van Helsing.
Lucy olha para Drácula, retrai-se e volta-se para Harker.

Seward: Conde Drácula, o Professor Van Helsing.

Os dois homens fazem mesuras.

Drácula: O Professor Van Helsing… Um cientista dos mais ilustres. Sua reputação se espalha até os confins da Transilvânia. (PARA SEWARD) Mas creio estar interrompendo uma consulta…
Seward: Absolutamente, Conde. Foi muito generoso ter vindo. Ficamos penhorados pelas razões que o trouxeram aqui.
Harker: O Doutor Seward falou do seu oferecimento e eu nem sei como lhe agradecer.
Drácula: Não há do quê. Eu é que devo agradecer aos senhores por me permitirem trazer algum conforto a Senhorita Lucy, seja de que forma for.
Lucy: E o senhor traz, Conde. Aguardo suas visitas com ansiedade: elas me fazem bem.
Van Helsing: Parece que tenho um rival.
Drácula: Senhorita Lucy, suas palavras são estímulos aos meus desejos de tornar mais frequentes as minhas visitas.
Lucy: (FIRME) Suas visitas me fazem bem.

Van Helsing vai até a Criada e fala com ela em voz baixa.

Drácula: Mas a Senhorita não está mais sozinha. Meus esforços para distraí-la com velhas estórias não serão mais necessários, com o Professor Van Helsing a assisti-la e, principalmente, com o Senhor Harker a hospedar-se aqui.
Harker: Como o senhor sabe que vou me hospedar aqui, Conde?
Drácula: (COM UM PEQUENO SOBRESSALTO) Como pode o galante enamorado perguntar tal coisa? Por dedução, meu caro.
Harker: É, acertou… Enquanto Lucy não ficar boa, eu não arredo o pé daqui de jeito nenhum.
Lucy: Por favor, Conde, continue a vir, está bem?

Drácula faz uma mesura e beija a mão de Lucy.
Lucy se curva em direção a ele – e se recompõe.
Van Helsing percebe isso.

Van Helsing: (À CRIADA) … Nem atenda a campaínha. Ela não deve ficar sozinha por nada deste mundo.
Criada: Sim, senhor.
Van Helsing: (PARA LUCY) Muito bem. A Criada vai levá-la para o quarto. Tente descansar um pouco, enquanto converso com seu pai.

A Criada vai até o sofá, pega Lucy.
Lucy olha para Drácula.

Seward: Senhorita Wells, não se esqueça, a Senhorita Lucy não deve ficar sozinha.
Criada: Sim, senhor.

Lucy troca um longo olhar com Drácula, e sai com a Criada.

Drácula: Professor Van Helsing, então o senhor veio da terra dos moinhos e das tulipas para sanar a doença nervosa dessa doce mocinha. Gostaria de desejar-lhe o mais absoluto sucesso.
Van Helsing: Muito obrigado, Conde.
Drácula: Estou sendo inoportuno, Doutor Seward? Sou pessoa solitária. Os senhores são meus únicos vizinhos, quando estou aqui em Carfax. E este caso me sensibiliza muitíssimo.
Seward: Conde, não consigo expressar minha gratidão por sua generosidade.
Van Helsing: O senhor também é um estrangeiro aqui na Inglaterra, Conde?
Drácula: Sim, mas amo a Inglaterra e a gigantesca Londres. Tudo tão diverso da minha Transilvânia, onde são tão poucas as pessoas e tão escassas as oportunidades.
Van Helsing: Oportunidades para quê?
Drácula: Para as minhas pesquisas, Professor.
Seward: Espero que não tenha se arrependido de ter comprado aquela velha ruína.
Drácula: Carfax não é uma ruína. A poeria estava um tanto espessa, é fato, mas nós estamos acostumados a poeira, lá na Transilvânia.
Harker: Pretende ficar na Inglaterra, Conde?
Drácula: Creio que sim, meu jovem. As paredes de meu castelo na Transilvânia estão rachadas, as trevas cobrem quase tudo, e sou o último da minha estirpe.
Harker: Lugarzinho solitário esse que o senhor arrumou, Carfax.
Drácula: De fato. E quando ouço os cães a uivarem por toda parte, penso em voltar para o meu Castelo Drácula com suas torres em ruínas.
Harker: Ah, cachorro uiva por lá quando tem lobo por perto, não é?
Drácula: De fato, meu jovem. E uivam por aqui também, apesar de não existirem lobos. Mas percebo que deseja ter uma conversa reservada com o pai ansioso e o grande especialista. Os senhores permitiriam que eu lesse um livro na sala?
Seward: Absolutamente, Conde.

Drácula faz uma mesura e sai.
Seward acompanha Drácula com o olhar.
Cães uivam lá fora.

Seward: Drácula e sua generosidade tão inoportuna… Mas, diga, e a minha filha?
Harker: Sim, Professor, o que há com a Lucy?

Van Helsing vai até a janela, olha para fora.
Longa pausa, antes de começar a falar.

Van Helsing: Aquele seu paciente, o fascinante Renfield, ele não tolera cheiro de acônito.
Seward: Deus meu! O que tem isto a ver com Lucy?
Van Helsing: Talvez nada.
Harker: Pelo amor de Deus, Professor, será que existe alguma coisa de sobrenatural nisso tudo?
Seward: Sobrenatural? Van Helsing!
Van Helsing: Permita-me lembrar-lhe, Seward, que as superstições de hoje são as conclusões científicas de amanhã. Hoje a ciência é capaz de transmudar em energia o eléctron, a partícula fundamental da matéria. E o que é isto senão a desmaterialização da matéria? Mas há séculos que a desmaterialização é conhecida e praticada na India. Eu mesmo vi muitas coisas em Java que…/
Seward: Não vá me dizer que você andou entulhando esse seu velho e brilhante cérebro com fantasmagoria oriental.
Van Helsing: Fantasmagoria?
Seward: Seja lá o que for. Não importa. E a minha filha?
Van Helsing: Ah, Seward! Se você não é capaz de acreditar em coisas mais inacreditáveis do que toda a fantasmagoria oriental, se você vai permanecer agarrado aos seus compêndios científicos…/ Seward, livre-se dos seus preconceitos. Esta sua cabeça dura pode custar a vida de sua filha.
Harker: Continue, Professor, continue.
Seward: Sou todo ouvidos.
Van Helsing: Devo pedir que me ouçam com serenidade. Sentem-se, por favor.

Van Helsing vai até a janela e fecha as cortinas.
Seward e Harker trocam olhares.
Em seguida, os dois se sentam e fixam o olhar em Van Helsing.

Van Helsing: Por acaso já ouviram falar das lendas da Europa Central sobre o Lobisomem, sobre os Vampiros?
Seward: Você quer dizer os fantasmas que sugam o sangue dos vivos?
Van Helsing: Se prefere chamá-los de fantasmas… Eu diria “mortos-vivos”.
Harker: O senhor está dizendo que a Mina e agora a Lucy…/
Seward: (INTERROMPENDO) Sim, eu já ouvi falar de vampiros. Li a respeito destas lendas horripilantes da Idade Média. Só que conheço você muito bem para supor…/
Van Helsing: (INTERROMPENDO) … que eu acredite nisto? Pois bem: eu acredito, sim.
Seward: (INCRÉDULO) Você está insinuando que vampiros existem e que… atacaram Mina e Lucy, aqui!?
Van Helsing: Todos os médicos da Inglaterra cairiam na gargalhada face a esta teoria. A polícia e a opinião pública deste país cairiam na gargalhada também. (ENFÁTICO) E os vampiros se aproveitam do fato de as pessoas não acreditarem neles e caem na gargalhada.
Seward: É esta a ajuda que você tem a nos oferecer?
Van Helsing: E ela não é pequena.
Harker: (PARA SEWARD) Doutor, os nossos especialistas ficaram todos zonzos com este caso. (PARA VAN HELSING) Continue, Professor.
Van Helsing: Vampiros são raros. São execrados pela natureza, as forças do bem se juntam para destrui-los, mas alguns destes monstros sobreviveram aos séculos.
Harker: (EXCITADO) Afinal, o que é um vampiro?
Van Helsing: Um vampiro, meu caro Harker, é um homem, ou uma mulher, que morreu… e não morreu. Massa de carne que vive após a morte porque suga o sangue dos vivos. Ele tem de sugar sangue, senão morre. Seu poder só dura do pôr do sol ao nascer do sol. Durante o dia, precisa repousar dentro da terra em que foi sepultado. Mas, cai a noite, e ele adquire o poder de atacar os vivos.

Seward faz gesto de descrédito.

Van Helsing: O meu amigo acha que deveria me colocar junto aos seus pacientes?
Seward: Não sei, Van Helsing. Só sei que estou perplexo.
Harker: Por que o senhor supõe que a Lucy foi atacada por esse dêmonio?

Daqui em diante, Van Helsing vai dominando os dois.

Van Helsing: Minhas suspeitas foram imediatamente despertadas pelos sintomas descritos por Doutor Seward. Anemia? O sangue de três pessoas foi injetado nas veias da Senhorita Mina, e ela morreu por falta de sangue. Para onde teria ido o sangue? O seu especialista tinha alguma explicação? Vampiros atacam pescoços. Eles deixam duas pequenas feridas brancas e vermelhas no centro.

Harker levanta-se lentamente.

Van Helsing: Seward, no telegrama, você me falou dessas duas feridas no pescoço de Mina. Um acidente com um alfinete, foi a sua explicação. Concordei, achei que sim, não sabia ao certo. Mas vim voando e o que encontro? As mesmas duas feridas no pescoço de Lucy. Teria sido outro alfinete, Doutor Seward?
Seward: Quer dizer que você construiu todo este pesadelo a partir de um alfinete?
Harker: O senhor tem outra explicação?
Seward: Eu? Não. Eu não consigo explicar por que Lucy nos escondeu as feridas no pescoço.
Van Helsing: Eu consigo.
Seward: Como? (PAUSA) Não, não, o problema de Lucy não pode ser este. Eu não acredito nisto.
Harker: Eu acredito. Essa teoria explica tudo o que ninguém conseguiu explicar. Vamos levar a Lucy para um lugar onde esse demônio não possa chegar.
Van Helsing: Ela não vai querer.
Seward: O quê!?
Van Helsing: Se forçarem, o choque pode ser fatal.
Harker: Mas por que ela não ia querer? É só nós explicarmos que a vida dela depende disso.
Van Helsing: Porque a vítima do vampiro se torna presa a ele, tanto em vida, quanto depois da morte.

Seward se levanta, incrédulo e chocado.

Harker: Quer dizer que a peste se apossou da Lucy? Quer dizer que agora a Lucy é um demônio!?
Seward: Professor, isto passa dos limites!
Van Helsing: Sim, Harker. Lucy é um demônio. Agora você vai me ajudar?
Harker: Vou… com certeza… vou… No que o senhor quiser… O que devo fazer?
Seward: Meu Deus…
Van Helsing: O trabalho é perigoso. Nossas vidas estão em jogo. Mas a vida da Senhorita Lucy também está; a alma da Senhorita Lucy também está. Precisamos esmagar este monstro!
Harker: Como?
Van Helsing: Durante o dia, esta massa morta-viva se deita, indefesa, dentro da terra em que foi sepultada.
Seward: Um cadáver?
Van Helsing: Cadáver? Talvez, mas um cadáver vivo, massa morta que vive, porque dentro dela corre o sangue dos vivos. Se conseguirmos encontrar sua cova, se conseguirmos cravar uma estaca no seu coração, isto será a destruição do vampiro. E nós é que temos de fazer isto. Em casos como este, a polícia ou qualquer outro órgão do governo são tão inúteis quanto os médicos. Que grades ou correntes podem deter uma criatura capaz de se transformar num morcego ou num lobo?
Harker: Lobo! Doutor Seward, os cachorros, aqui, eles uivavam! Lá na Rússia, quando tinha lobo por perto, eles uivavam assim mesmo. Eu contei para o senhor. E morcego, Renfield falou em morcego.
Seward: E daí?
Van Helsing: O seu amigo Renfield não gosta do cheiro de acônito.
Seward: E daí?
Van Helsing: Vampiro não gosta do cheiro de acônito.
Harker: O senhor suspeita daquele doido?
Van Helsing: Não suspeito de ninguém e suspeito de todo mundo. Este Conde Drácula, quem é?
Seward: Drácula? Para falar a verdade, sabemos muito pouco sobre ele.
Harker: Quando estive na Transilvânia, ouvi falar do Castelo Drácula. Muitos séculos atrás, foi residência do famoso Voivode Drácula, que lutou contra os turcos.
Van Helsing: Vou mandar uns telegramas, investigando. Não, este demônio tem de ser inglês. Ou, pelo menos, tem de ter morrido aqui. Sua caverna tem de estar perto daqui, para que ele possa voltar para lá antes do sol nascer. (PARA SEWARD) Ah, meu caro amigo, eu só possuo umas tantas crendices antigas para enfrentar este monstro cuja força é a de vinte homens, talvez acrescida da sabedoria e da astúcia acumuladas durante séculos.
Harker: Isso tudo é um pesadelo. Mas pode contar comigo, Professor.
Van Helsing: E o senhor, Doutor Seward?
Seward: Para mim, isso tudo é um disparate. Mas, como todos os outros fracassaram, pode contar comigo. Por enquanto…
Van Helsing: (SEVERO) Preciso de aliados, não de céticos.
Seward: Está bem. Faça o que achar melhor.
Van Helsing: Agora sim. Traga a sua filha para cá.
Seward: Para quê?
Van Helsing: Para armar uma cilada. A Senhorita Lucy será a isca.
Harker: Santo Deus! Não, isso não!
Van Helsing: Não existe outra saída. Suspeito que este demônio já saiba que pretendo proteger a Senhorita Lucy e isto o coloca na defensiva. Mas, no momento em que ela estiver sozinha, com certeza ele virá até aqui, à procura de mais sangue.
Harker: Não, não, eu proibo o senhor de fazer isso.
Seward: A filha é minha e eu consinto. Provaremos ao Professor que ele está enganado.
Harker: O senhor só consente porque não acredita. Mas eu acredito. Pelo amor de Deus, Doutor! Primeiro foi a gargalhada daquele doido, o comedor de inseto. Agora o senhor vai e põe a Lucy de isca!
Van Helsing: (DURO) Ou os senhores acatam as minhas decisões, ou eu não posso fazer nada! Preciso saber a forma sob a qual este demônio aparece; preciso saber como destrui-lo. Doutor Seward, traga a sua filha para cá.

Seward de depara com o olhar de Harker. Ele fita Harker.
Curta pausa.
Com hesitação, Harker sai.
Seward segue-o.
Van Helsing permanece pensativo por alguns instantes.
Em seguida, olha pela sala, observando a posição das portas, dos móveis, etc.
Van Helsing apaga as luzes.
O aposento é iluminado apenas pelo fogo da lareira.
Van Helisng vai até a luz do fogo, olha para o sofá, anda até a porta e volta-se.
Em seguida, ele olha para o sofá, satisfeito com o fato de a luz do fogo ser bastante para se ver tudo o que possa acontecer ali.
Van Helisng abre as cortinas.
De repente, a porta dupla se abre com violência.
Van Helsing tem um grande sobressalto.
Entra o Enfermeiro.

Enfermeiro: O Doutor Seward, cadê ele?
Van Helsing: O que o senhor deseja com o Doutor Seward?
Enfermeiro: O papamosca fugiu de novo.
Van Helsing: Como?
Enfermeiro: Por tudo que tem de mais sagrado: foi pela janela. A porta inda está fechada e eu estava no corredor o tempo todo. Pular da janela é tombo de mais de dez metros, até a laje de pedra. Quer saber? Esse zureta não é homem humano, não. Esse zureta é uma lagartixa do inferno, isso sim!
Van Helsing: (ORDENA) Por enquanto, não diga nada ao Doutor Seward. Nada, entendeu?

O Enfermeiro faz que sim.

Van Helsing: Muito bem. Pode ir.

O Enfermeiro sai.
Van Helsing torna a ligar as luzes.
Entra Lucy, apoiada em Harker e Seward.

Lucy: Ah…!
Seward: Não precisa ter medo, Lucy.

Eles levam Lucy até o sofá.

Van Helsing: Deite-se aqui, minha querida.
Lucy: Mas, Doutor…/
Van Helsing: Você confia em mim, não confia?

Ela faz que sim.
Eles colocam Lucy no sofá.

Van Helsing: Quero que você fique deitada aqui só por uns minutos.
Lucy: Eu estou com muito medo.
Van Helsing: Relaxe, relaxe… Não pense em nada… Durma…
Lucy: Dormir me dá medo. Quando eu durmo…/

Harker segura-lhe a mão.
Van Helsing acomoda Lucy no sofá.

Van Helsing: Eu sei, eu sei, minha querida. Eu vou curar você, com a ajuda de Deus.
Lucy: Mas… papai…
Seward: Faça o que o Professor mandar. Vamos, Harker.

Van Helsing leva Seward até a porta.
Seward sai.
Harker deixa-se ficar.

Van Helsing: Harker, vamos.

Ao sair com Harker, Van Helsing apaga as luzes.
Tudo quieto.
Lucy fecha os olhos.
Ouve-se o uivo de um lobo, à distância, seguido de latidos de cães.
O fogo da lareira diminui.
A mão de Drácula surge por detrás do sofá. Em seguida, o seu rosto.
Lucy grita e desmaia.
Ouvem-se vozes nas coxias.
Van Helsing entra, seguido de Seward e Harker.
Van Helsing acende as luzes e um morcego voa janela afora.

Harker: Lucy! Lucy!
Seward: Professor, o que houve?
Van Helsing: Os senhores viram?
Seward: Deus meu, o que foi isto?
Harker: Lucy! Lucy! Fala comigo!
Van Helsing: Harker, leve-a para o quarto, depressa.

Harker carrega Lucy até a porta.
Drácula entra. Seu olhar percorre a sala, fixando-se em cada uma das pessoas.

Drácula: (CORTÊS) Nossa paciente está melhor, eu quero crer.

Das coxias, à direita, Renfield solta uma gargalhada selvagem.
Van Helsing, Seward e Harker se voltam.
Renfield solta outra gargalhada.

CAI O PANO

ATO II

O quarto de vestir de Lucy.
A noite seguinte.

Ao fundo, à direita, uma janela fechada.
As cortinas estão abertas.
Perto da janela, algumas cadeiras, em torno de uma mesinha com objetos de toalete.
Ao fundo, à esquerda, um sofá encostado à parede.
Um espelho pendurado na parede.
Uma mesinha com vaso de flores, perto do sofá.
Duas portas. A da direita dá para o quarto de dormir, a da esquerda, para o corredor.
Um arco na parede da esquerda.

Cães uivam.
A cortina se abre e a Criada entra, vinda do quarto de dormir.
Ela olha para a janela, por cima de seu ombro esquerdo.
Ela dá uns passos à frente e olha para trás, por cima do ombro direito.
Ela vai até o sofá e pega o jornal.
Ela se senta no sofá e lê o jornal.
Quando a Criada vira uma página, o Enfermeiro bate na porta do corredor.
A Criada leva um susto.

Criada: Quem está aí!?

O Enfermeiro entra e sorri para ela.

Enfermeiro: Desculpa, moça. Será que a senhora viu, por acaso, o zureta de estimação, o xodó do diretor? Ele fugiu de novo.

A Criada não larga o jornal.

Criada: Que que ele estaria fazendo aqui?

O Enfermeiro faz que não sabe.

Criada: Olha, ou você consegue controlar o Renfield, ou você vai é perder o emprego. Virgem Maria, ele foge toda santa noite!

A Criada vai até a porta do quarto de dormir.

Enfermeiro: Ei, moça…/
Criada: A Senhorita Lucy pediu o jornal.
Enfermeiro: Não vai embora, não.

A Criada se volta, sorri para o Enfermeiro.

Criada: Eu volto já, já.

A Criada sai.
O Enfermeiro procura fora da janela.
Em seguida, procura debaixo do sofá.
A Criada surge à porta.

Criada: Achou o zureta?
Enfermeiro: (LEVANTA-SE, ASSUSTADO) Não.

A Criada entra.

Enfermeiro: Vou te contar uma coisa, moça. Esse emprego está deixando é eu zureta.
Criada: Deixando você zureta? E eu? E eu com esses cachorros uivando nos meus ouvidos toda santa noite, e mais condes estrangeiros brotando pelo chão afora, mais a Senhorita Lucy se desmilinguindo desse jeito, mais todo mundo esvaziando as veias para dar sangue para ela, mais esse Sherlock Holmes das Holandas furando tudo quanto é coisa e gente com aqueles olhos de raio xis, e ainda por cima você a me deixar o Renfield solto por aí? E eu!?
Enfermeiro: Eu não deixei ele solto, não. Foi logo ainda agora, agorinha mesmo. Escutei um barulho que nem uivo de lobo. Eu vou e abro a porta dele com essa minha chave aqui e o que que eu vejo? Eu vejo as pernas dele saindo janela a fora que nem que ele fosse descer muro abaixo. Ele não é homem humano, não. Não é, não.
Criada: Descer muro abaixo?
Enfermeiro: Sei que ninguém vai acreditar, mas sei que vi com esses olhos aqui, e sei que ‘garrei o pé dele com essa mão aqui, ‘garrei mesmo.
Criada: Descer muro abaixo, cabeça pendurada, que nem morcego?
Enfermeiro: Gozado a senhora falar ‘morcego’. Que na hora que eu ‘garrei ele, um morcego grande que nem o demônio entrou voando janela adentro e bateu na minha cara.
Criada: Eu sei de onde veio esse morcego.
Enfermeiro: (ASSUSTADO) A senhora sabe? E de onde é que foi que ele veio?
Criada: Da tua cachola.

A Criada vai até a cabeceira do sofá e arruma as almofadas.
Em seguida, ela vai até a penteadeira.

Enfermeiro: Não, moça, isso é a mais verdadeira das verdades, estou te falando. E lá se foi o morcego e lá se foi o zureta. E aí eu ouvi ele dar uma gargalhada. E que gargalhada! Cruz credo, o diretor vai soltar os cachorros em cima de mim por causa disso.
Criada: Você conta para o diretor e ele vai é te trancar junto com o zureta.
Enfermeiro: Meu Deus!
Criada: Vai mesmo.
Enfermeiro: A senhora, moça, a senhora é moça esperta, eu sempre achei. E eu não tenho coragem de contar para ele o que eu vi nem o que eu ouvi. Mas esse cara, o zureta, ele não faz mal a ninguém, não.
Criada: Não faz mal nem a uma mosca, não é?
Enfermeiro: Mosca? Não, não, ele não. Ele só come elas. Ele prefere comer mosca do que bife de filé. Agora, o que ele faz com aranha é um crime!
Criada: Estou achando que daqui a pouquinho alguém vai aparecer aqui atrás de você. De você e das tuas aranhas.
Enfermeiro: Estou falando, moça: esse lugar aqui é todo cheio de mistério.

O Enfermeiro olha para fora da janela.

Enfermeiro: É um tombo e tanto até lá embaixo.

O Enfermeiro se volta para dentro.

Enfermeiro: Medo de ladrão, a gente não precisa ter, não é não? Não tem jeito nem maneira de ladrão chegar até aqui. A não ser voando.

O Enfermeiro examina em volta.

Enfermeiro: A senhora não fica meio, assim, solitária, nas suas noites de folga?
Criada: Ultimamente tenho ficado, sim.

A Criada olha pela janela.

Criada: Nunca tinha reparado nas sombras daquelas árvores.
Enfermeiro: Bom, se a senhora precisar de um acompanhante pra passear pelo…/
Criada: E eu vou lá andar por aí com você metido nesse uniforme! As pessoas vão achar que eu sou uma das tuas malucas.
Enfermeiro: Então eu vou a paisana, pode deixar.

O Enfermeiro abraça a Criada.

Enfermeiro: Amanhã de noite…/

A Criada se livra dele.

Criada: Virgem, você é apressadinho, hem?
Enfermeiro: Faz tempo que eu estou de olho em você.
Criada: Melhor ficar de olho no zureta, ou então pode começar a olhar outro emprego.
Enfermeiro: Você…

O Enfermeiro tenta beijá-la.
Eles lutam.

Criada: Ai! Me larga! Jesus!

A Criada dá-lhe um tapa.
O Enfermeiro recua.

Criada: Atrevido! Abusado! (INDICA A PORTA) Sai! Passa fora! Desinfeta daqui! Vá agarrar o teu zureta!
Enfermeiro: Está bem. Mas eu tenho um negocinho que vai chamar ele para cá.
Criada: Hum…

O Enfermeiro vasculha o bolso, enquanto vai até a Criada.
O Enfermeiro tira do bolso, segurando pelo rabo, um rato branco.

Enfermeiro: Aqui, ó.

A Criada grita, sobe na cadeira, ergue a saia.

Criada: Tira isso daqui! Socorro! Tira isso já daqui! Doutor diretor! Doutor diretor!
Enfermeiro: (PARA O RATO) Não te falei, Sêneca? Tem lugar que a gente não é bem tratado.

Se fazendo de ofendido, o Enfermeiro vai saindo.

Enfermeiro: E tem gente que não tem nenhum senso de humor.

O Enfermeiro sai pela esquerda.
Seward entra, apressado.

Seward: O que foi?

A Criada baixa a saia.

Criada: Doutor! Desculpe. Mas foi ele, o Enfermeiro. Ele me assustou com, com aquele bicho.
Seward: Que bicho!?
Criada: Um rato, um rato branco.
Seward: (ALIVIADO) Você não deve gritar, aqui, agora.
Criada: O senhor me desculpe, mas aquele bicho nojento…/
Seward: Assim você assusta a Senhorita Lucy. Ela já está muito perturbada com uma notícia que saiu no jornal.
Criada: Ah, o senhor está falando da Fera de Hampstead, a moça, toda de branco, que distribui chocolate para as criancinhas?
Seward: (IMPACIENTE) Seja lá o que for, eu não quero que a Senhorita Lucy seja perturbada.

Seward volta para o quarto de dormir.
Cães uivam.
As luzes se apagam.
A Criada grita.
Foco de luz verde sobre Drácula, de pé, no meio do aposento.
A Criada quer gritar e não consegue.

Drácula: (APAZIGUADOR) Peço-lhe as minhas mais sinceras desculpas. Meus passos, não os tenho pesados. E estes tapetes são macios.
Criada: Pois não. Sim, senhor. Como foi que o senhor entrou?
Drácula: A porta deste aposento estava só encostada. Por esta razão, não bati.
Criada: Pois não.
Drácula: Como está a Senhorita Lucy em sua prostração nervosa?
Criada: Creio que está melhor, sim, senhor.
Drácula: Ah, apraz-me sabê-lo. Percebo que a tensão da doença da Senhorita Lucy está esgotando inclusive a senhora.
Criada: Como é que o senhor sabe?

Drácula está senhor da situação.

Criada: Não, não. É só uma dorzinha de cabeça.
Drácula: (SEDUTOR) Posso sanar esta dorzinha.
Criada: Não estou entendendo, senhor.
Drácula: Esta dor cessa através de simples sugestão.

A Criada ergue o braço para se proteger.

Criada: Desculpe, mas se o senhor está falando de hipnose, eu prefiro ficar com dor de cabeça.
Drácula: Sua concepção de hipnose parece ser a de um disforme sacudir dos braços e infindáveis passes de mãos. Possuo artifício diverso.

Enquanto fala, Drácula faz pequenos gestos com a mão esquerda.
A Criada olha para ele, fascinada.
Colocando o polegar esquerdo sobre a testa da moça, Drácula fita-a dentro dos olhos.
A Criada faz um pequeno esforço para remover-lhe a mão. Em seguida, cede.
Drácula passa a falar de maneira imperativa.

Drácula: O que entra, pode ser retirado. A dor entrou, a dor é retirada, a dor se foi. A sua vontade também se foi, a minha vontade entrou. Você ouve a minha voz?
Criada: (MURMURA) Eu ouço a sua voz.
Drácula: Ao despertar, você se esquecerá das coisas que eu disse. Hoje você recebeu ordens do Doutor Seward, que você dormisse com a Senhorita todas as noites, no mesmo aposento, que ela sofre de sonhos assustadores. Isto aconteceu?
Criada: (MURMURA) Aconteceu.
Drácula: O horror e a morte ameaçam a Senhorita Lucy. Mas eu vou salvá-la. Introduziu-se nesta casa uma pessoa cujos desígnios se chocam com os meus. Vou destroçá-la. Você receberá as minhas ordens. A minha voz, você ouve?
Criada: A sua voz, eu ouço.
Drácula: Ouça e obedeça. Agora e para sempre soarão em seus tímpanos os meus sussurros sem som. Você se submeterá a quaisquer transmissões que sairem de meu cérebro, assim, sem hesitação. Se eu desejo, você faz. O meu sinal, muito cedo você irá recebê-lo. Ouça e obedeça.

O foco verde se apaga lentamente.
Drácula sai pela janela.
As luzes se acendem.
Os cães uivam lá fora.
A Criada olha para a janela.
Van Helsing entra pela esquerda.
A Criada tem um sobressalto quando a porta se fecha.
Van Helsing parece abatido e fraco. Ele carrega um embrulho amarrado com barbante.

Van Helsing: Você deixou a sua patroa sozinha?
Criada: Sim, senhor… Não, senhor! O Doutor Seward está com ela.

O corpo da Criada oscila ligeiramente.

Van Helsing: O que há com você, minha filha?
Criada: Nada, não, senhor.
Van Helsing: Você acaba de sofrer um choque.
Criada: Não, não foi nada… Foi tudo muito de repente… Não foi nada…

A Criada olha para a janela.

Criada: Eu não lembro de nada… Foi isso.
Van Helsing: O Senhor Harker acaba de chegar. Peça ao Doutor Seward para vir até aqui e fique com a Senhorita Lucy.
Criada: Sim, senhor. Ela está muito preocupada.
Van Helsing: Com o quê?
Criada: Com o que saiu no jornal. Aquela coisa horrível, o Caso Hampstead.
Van Helsing: Meu Deus, ela viu!
Criada: Licença…

A Criada vai para o quarto de dormir.
Harker entra pela esquerda.

Harker: (PREOCUPADO) Alguma novidade?

Van Helsing faz que não.
Harker fecha a porta.

Harker: Quando fico longe daqui, mesmo por umas poucas horas, eu tenho medo do que me espera, quando voltar.
Van Helsing: E você tem razões de sobra para isto.
Harker: Sem o senhor, eu nem sei… Sem o senhor, Professor, eu já teria perdido a esperança.

Van Helsing coloca o embrulho na mesa sob o espelho.

Harker: Hoje de manhã, quando o senhor abriu as suas veias para trazer a Lucy de volta para a vida…/
Van Helsing: Era o mínimo que eu podia fazer. Por minha falta de previsão, fui o responsável por este ataque.
Harker: Não diga isso.
Van Helsing: A Criada passou a noite com ela. E, ainda assim, o acônito caiu da cama.
Harker: Ela estava tão fraca, tão palida, as duas feridas abertas de novo.
Van Helsing: (INDICA O EMBRULHO) Consegui um antídoto mais forte. Mas nossa missão não é defender: temos de atacar. O que descobriu em Londres?
Harker: Muitas coisas. Mas só Deus sabe o que elas significam, ou para o que servem.

Harker se senta.

Van Helsing: Eu também recebi umas informações das quais não consigo tirar nenhuma conclusão.

Seward entra.

Seward: Ah, John, você está de volta.
Van Helsing: Precisamos reunir os dados que recolhemos hoje.

Van Helsing tira do bolso um telegrama de várias páginas.

Van Helsing: Um colega meu de Bucareste me telegrafou, dizendo que a familia Drácula… (LÊ) “A familia Drácula foi extinta há cinco séculos.”
Seward: Ele é um falso conde?
Van Helsing: (LÊ) “O castelo da família Drácula, na Transilvânia, não passa de uma ruína abandonada.” Como você disse, Harker, ele foi construído pelo terrível Voivode Drácula, que teria feito um pacto com as forças do mal. Ele foi o último de sua estirpe. Mas os camponeses sempre acreditaram, durante todos estes séculos, que o Castelo Drácula era habitado por um vampiro.
Harker: Então ele deve ser…/

Van Helsing balança a cabeça e coloca o telegrama no bolso.

Van Helsing: Meus amigos, eu estou totalmente desnorteado.
Seward: Mas isto confirma as suas suspeitas. Eu tinha as minhas dúvidas, até que vi aquele monstro pairando sobre Lucy.
Van Helsing: Um vampiro da Transilvânia não pode estar na Inglaterra.
Seward: Por quê?
Van Helsing: Porque, como já disse, um vampiro vive dentro de um cadáver e, durante o dia, este cadáver precisa repousar dentro da terra na qual foi sepultado.
Harker: (LEVANTA-SE) Dentro da terra?
Van Helsing: Um vampiro precisa voltar para sua sepultura antes do sol nascer.
Harker: (EXCITADO) Dia seis de março – descobri isso hoje – um avião de três motores chegou ao Aeroporto de Croydon. Drácula veio nele.
Seward: Seis de março? Três dias antes da doença atacar Mina.
Harker: Fez um vôo sem escalas desde Sekely, na Transilvânia. Decolou logo depois do sol se pôr; aterrissou aqui duas horas antes do sol nascer. Trazia apenas o Conde Drácula. E seis caixões.
Van Helsing: Você descobriu o que havia nesses caixões?
Harker: Ele disse para o pessoal da alfândega que queria ver se umas plantas da Transilvânia cresciam noutro clima.
Van Helsing: E o que havia dentro dos caixões?
Harker: Terra, Professor, só havia terra!
Van Helsing: Oh, Deus, claro! O Rei, senhores, o Rei dos Vampiros está entre nós!

Van Helsing anda, exaltado, entre Seward e Harker.

Van Helsing: O terrível Voivode Drácula! A encarnação do terrível Voivode Drácula! Satã, com toda a sua arrogância e desprezo, ele usa o próprio nome! Quem haveria de suspeitar? Foram quinhentos anos, entocado em seu castelo, escondido na cova dentro da qual tinha de dormir durante o dia. Cinco séculos se passaram, o avião foi inventado, sua hora chegou. Agora ele pode atravessar a Europa numa mesma noite. Enche seis caixões com a terra na qual tinha de dormir, decola do castelo logo depois do sol se pôr e, antes do nascer do sol, ele está na Inglaterra. Correu um enorme risco, sem dúvida. Mas ele conseguiu! Londres, com suas milhões de vítimas, seu “grande momento”, como ele mesmo disse.
Seward: Deus meu, proteja a minha Lucy!
Harker: (PARA VAN HELSING) Estive com o corretor que vendeu Carfax, aqui, e descobri o endereço de quatro casas que ele alugou em quatro pontos diferentes de Londres.
Van Helsing: Um caixão em cada casa… Se conseguirmos encontrar os seis, poderemos destrui-lo.
Seward: Como?
Van Helsing: Com água benta. Se a terra de cada caixão for santificada com água benta, ela rejeitará aquele espírito do mal.
Harker: Precisamos encontrar esses caixões, abrir um por um. E aí, Professor, em nome de Deus, eu exijo que seja minha a mão que vai cravar a estaca naquele coração demoníaco, que seja eu quem vai mandar aquela alma hedionda para o inferno!

Seward gesticula para que falem mais baixo.

Seward: Lucy pode ouvir!
Van Helsing: Seu plano é perigoso demais, Harker.
Seward: Por quê? Lucy continua sendo atacada. Vamos cruzar os braços enquanto minha filha abandona a vida?
Harker: Nunca! Nem por um segundo!
Van Helsing: Calma. Tenham calma, meus amigos. Este homem é mais do que um simples mortal. Sua astúcia foi destilada pelos séculos. E se nós conseguirmos encontrar cinco caixões, se conseguirmos purificá-los, mas não conseguirmos encontrar o sexto?
Seward: Qual é o problema?
Van Helsing: Ele irá enterrar-se neste seu último refúgio, onde não poderá ser encontrado jamais. E ele dormirá até que estejamos todos mortos.
Harker: Aí a Lucy vai estar salva.
Van Helsing: Enquanto viver, sim. Mas ela recebeu o beijo de Drácula, ela é uma possuída de Drácula. Quando morrer, ela ficará como ele: um espírito podre da noite. O vampiro não tem pressa, meus caros amigos. Só existe uma única maneira de salvar Lucy: é acabar com Drácula!
Seward: Você tem razão, Van Helsing. Como sempre.
Van Helsing: Temos um trunfo: durante o dia ele é um cadáver confinado. Se não deixarmos pistas, ele nada saberá das nossas investigações diurnas.
Harker: Santo Deus, essa demora!
Van Helsing: Primeiro temos de ir a todas as casas e encontrar todos os seis caixões, sem que ele perceba. E só então agiremos.
Seward: Mas e os empregados?
Van Helsing: Todas as casas estarão vazias. O vampiro é um caçador solitário.

Ouve-se uma gargalhada histérica detrás das cortinas da janela.
Seward corre para lá.

Seward: Renfield!

Seward segura Renfield pelo braço e atira-o para dentro do aposento.
Renfield ri, matreiro.

Van Helsing: Ele estava aqui este tempo todo.
Seward: Você escutou a nossa conversa?
Renfield: Escutei, escutei, escutei.

Renfield indica Van Helsing a Seward e Harker.

Renfield: Ele falou. Escuta ele, faz o que ele falou. Só tem essa saída; ela só tem essa saída.

Renfield vai até Van Helsing.

Renfield: Eu só tenho essa saída.

Renfield se ajoelha diante de Van Helsing.

Renfield: (IMPLORA) Salva a minha alma! Salva a minha alma! Eu sou fraco, o senhor é forte; eu sou doido, o senhor não é; o senhor é bom, ele é mau.
Van Helsing: (IMPRESSIONADO) Vou salvá-lo, Renfield. Mas você precisa me contar o que sabe. Tudo.

Renfield se levanta.

Renfield: O que eu sei? O que que eu sei? Eu não sei nada. (BATE NA CABEÇA) Eu sou doido, o Doutor Seward sabe. O que eu falo não paga ser escutado.
Seward: Não podemos perder tempo com este rapaz. Vou ordenar que o levem embora.

Seward vai até a sineta.

Renfield: (PARA SEWARD) E eu te achava sabido! Débil mental! O mundo todo está todo doido! Você precisa de ajuda, você precisa dos doidos: só doido entende de doideira!

Renfield ri, matreiro.

Renfield: Mas, absolutamente, queiram desculpar, lamento informar, não vou ajudar.

Renfield volta-se para a janela.

Renfield: Doido que sabe das coisas escuta quem é forte.

Van Helsing vai até Renfield.

Van Helsing: (FURIOSO) Quem? Quem é forte?
Renfield: Dizer quem? Falar nomes, assim, entre amigos? Professor, por favor, queira desculpar. Ficar do seu lado, que que eu ganho com isso? O Doutor aí me tranca lá o dia todo. Eu fico bonzinho e eu ganho açúcar pras minhas moscas. (INDICA A JANELA) Eu fico do lado dele e eu ganho…/
Van Helsing: Sangue! Sangue é vida, não é, Renfield? (PUXANDO-O) Que pacto você fez com o Conde Drácula?
Renfield: (APAVORADO) Drácula!? Eu? (DESAFIADOR) Eu nunca escutei falar nesse nome.
Van Helsing: É mentira!
Renfield: Mentira… verdade… é tudo fumaça pra esconder a verdade das coisas… (SOLTA-SE) Isto posto, assim sendo, ou não, sua acusação não é acusação, sua ofensa não é ofensa. E eu, por conseguinte, absolutamente não me sinto ofendido; e o senhor, por conseguinte, está desculpado.

Renfield vai até Seward.

Renfield: Me manda embora! Já falei e o senhor nada! Falei, aconteceu, e o senhor nada. Não falo mais nada, não falo mais nada! Morrer no horror, eu não vou. Não vou trair o…/
Van Helsing: Se falar, o Doutor Seward manda você embora.
Seward: Sim, Renfield.

Renfield faz que não se importa.

Seward: Façamos outro trato: eu recupero a sua alma em troca do que você sabe.
Renfield: Deus não vai maltratar alma de doido. Deus sabe: demônio é forte, doido é fraco. Mas me manda embora, Doutor!
Seward: Se você falar.
Van Helsing: Fale, Renfield.

Um tempo.
Renfield olha para Seward, Van Helsing, Harker e novamente para Seward.
E Renfield fala como um homem normal.

Renfield: Está bem, vou falar, vou contar tudo. Senhores, o Conde Drácula é…/

Um morcego entra pela janela e sai.
Renfield corre até a janela, a gritar, de braços abertos.

Renfield: Mestre! Meu mestre! Eu não falei, eu não falei nada! Eu não contei nada! Eu sou seu servo, eu sou seu escravo!

Seward e Harker correm até a janela.

Harker: É um morcego gigantesco, voando em círculos.
Seward: Pronto, foi embora.
Harker: O que é aquilo ali embaixo, correndo?
Seward: Parece um cachorro enorme.
Van Helsing: Tem certeza de que é um cachorro?
Seward: Pode ser um lobo.
Harker: Ah, bobagem. Estamos nervosos e ficamos vendo coisa.
Van Helsing: E você, Renfield, o que ia nos dizer?
Renfield: Nada, lhufas, xongas, patavina e necas de pitibiriba.

Lucy vem do quarto com o jornal.

Lucy: Professor, o senhor viu o que está aqui?
Van Helsing: Senhorita Lucy, queira entregar este jornal para…/

Renfield vai até ela.

Renfield: A senhora é que é a Senhorita Lucy?
Lucy: Sou.

Seward aproxima-se dela e faz sinal para que Harker toque a sineta.

Renfield: Em nome do Santo Pai e de tudo o que tem de sagrado, vai embora daqui! Já!

Lucy se volta para ele.
Van Helsing faz sinal para que os outros silenciem.

Lucy: Esta é a minha casa. Não vou sair daqui por nada desse mundo.
Renfield: (COMO HOMEM NORMAL) ‘Por nada desse mundo’… É, é tarde demais… Eu sou um débil mental! Vou pagar caro por isso e isso não vai adiantar nada. É tarde demais… (COM PIEDADE) A Senhorita é tão moça, tão bonita, tão pura. E eu, tem vez que eu sou bom e eu preciso falar: ou a Senhorita vai embora, ou a sua alma vai pagar por isso. A Senhorita está possuída pelo…/

O morcego voa janela adentro e sai.
Renfield corre até a janela e grita.
Seward vai até o sofá.
Harker corre até Lucy, para protegê-la.

Renfield: O Mestre está aqui!

Renfield se põe de joelhos.
O Enfermeiro surge à porta.

Seward: Butterworth!

Seward ajuda Renfield a se levantar.
O Enfermeiro agarra Renfield e leva-o em direção à porta.

Renfield: (À PORTA) Adeus, Senhorita Lucy. Já que não quer escutar o meu aviso, rogo a Deus que eu nunca mais veja o seu rosto.

Renfield sai com o Enfermeiro.

Lucy: (HISTÉRICA) O que ele quis dizer, Professor? Por que ele disse essas coisas todas? O que essas coisas todas querem dizer?

Lucy vai para o quarto de dormir.
Harker a acompanha.

Seward: Que horror! Este débil mental fez pacto com o demônio. E Lucy perturbada com alguma coisa no jornal.
Van Helsing: Vá até lá e tire o jornal dela.
Seward: Seja o que for, ela lê e lê e relê.
Van Helsing: Vá até lá, tire o jornal dela, e volte para cá.

Van Helsing coloca a mão sobre a testa, como se fosse desmaiar.

Seward: Cuidado, não abuse da sua resistência, Van Helsing. Nós dependemos de você. Vá se deitar. Você fez uma transfusão. Na sua idade…/
Van Helsing: Nunca estive tão bem em toda a minha vida.
Seward: (ENQUANTO SAI) Nunca esteve tão bem, não é? Que tal você se olhar no espelho?

Van Helsing, a sós, demonstra exaustão.
Lentamente, ele atravessa o aposento e contempla seu rosto esgotado no espelho.
Drácula entra pela janela, furtivo, com o traje de noite e a capa de antes.
Ele caminha lentamente em direção às costas de Van Helsing.
Van Helsing, ainda ao espelho, toca no rosto e balança a cabeça.

Van Helsing: Demônio.
Drácula: Não…

Van Helsing volta-se rapidamente para Drácula e torna a olhar para o espelho.

Drácula: (IRÔNICO) … o senhor não está tão cansado assim.

Van Helsing olha para o espelho e, em seguida, para Drácula.
Van Helsing se controla com dificuldade.

Van Helsing: Não ouvi o senhor entrar, Conde Drácula.
Drácula: Disseram-me repetidas vezes que meus passos, não os tenho pesados.
Van Helsing: Eu estava olhando no espelho. Este aposento está todo refletido no espelho, mas o espelho não reflete o senhor.

Van Helsing volta-se para o espelho.
Tomado de ódio, Drácula, pega o pequeno vaso de flores da mesinha e espatifa-o contra o espelho. Pedaços do espelho e do vaso espalham-se pelo chão.
Van Helsing recua e olha para Drácula com pavor e repugnância.

Drácula: (RECOBRANDO A POSTURA) Queira aceitar as minhas desculpas. Sinto um certo desapreço por espelhos: eles são fetiches da vaidade humana.

Com vaidade, Drácula ajeita sua roupa.

Drácula: Como está passando a nossa doce paciente?
Van Helsing: O diagnóstico é problemático.
Drácula: Sim, receio que sim.
Van Helsing: O senhor estaria interessado em ver o que receitei para ela?
Drácula: Todas as coisas que o senhor receite para a Senhorita Lucy me interessam muitíssimo.

Van Helsing vai até a mesa, pegar o embrulho.
Drácula caminha na direção de Van Helsing, que volta com o embrulho.
Van Helsing se desvia dele, vai até a mesinha à direita do arco, põe-se de frente, abre um canivete e, ao cortar o barbante do embrulho, ele corta o dedo.
Van Helsing solta uma leve exclamação de dor e ergue o dedo.
Drácula tem um sobressalto diante do dedo ensanguentado de Van Helsing.
Em seguida, controlando-se com dificuldade, ele se vira de modo a não ver o sangue.
Van Helsing fita-o por uns instantes, vai até ele e exibe o dedo ensanguentado.

Van Helsing: A prescrição é bastante incomum.

Drácula mostra os dentes e tenta, num bote, morder o dedo de Van Helsing.
Van Helsing afasta-se rapidamente e ata um lenço em torno do dedo.
De novo, Drácula recobra a postura com dificuldade.

Drácula: É superficial, o corte. Eu percebi.
Van Helsing: É o suficiente.

Van Helsing abre o embrulho.

Van Helsing: Aqui está o meu remédio para a Senhorita Lucy.

Drácula se aproxima de Van Helsing.
Van Helsing rapidamente leva o acônito ao rosto de Drácula.
Drácula dá um salto para trás, se protege com a capa, o rosto transfigurado de dor e ódio.
Van Helsing recoloca o acônito no embrulho.

Van Helsing: Não lhe agrada o cheiro?
Drácula: O senhor é um sábio, Professor. E sequer atravessou uma só existência.
Van Helsing: Generosidade sua, Conde.
Drácula: Mas o senhor não é sábio o suficiente para regressar ao seu país, agora que já descobriu o que desejava.
Van Helsing: (SECO) Prefiro ficar. Apesar de um certo louco aqui ter tentado me matar.
Drácula: Loucos são pessoas difíceis. Não nos obedecem. Tentam até trair os seus benfeitores. Mas quando os servos não se submetem às ordens, o Mestre age sozinho.
Van Helsing: Eu previa isto.

Drácula fixa os olhos em Van Helsing.

Drácula: Cinco séculos se passaram, Professor, e todos os que se opuseram aos meus desígnios, todos sucumbiram, alguns sob circunstâncias assaz desagradáveis.

Ainda fitando Van Helsing, Drácula ergue lentamente o braço e profere com ênfase:

Drácula: Aqui, venha; venha, aqui.

Van Helsing empalidece, cambaleia e, lentamente, segue em direção a Drácula.
Drácula fita Van Helsing.
Van Helsing tenta recobrar o controle sobre si, dá mais um passo na direção de Drácula, pára, coloca a mão na testa.
Drácula fixa os olhos nos olhos de Van Helsing.
Van Helsing recobra o controle e afasta o olhar.

Drácula: Sim, sua força de vontade é intensa. Neste caso, eu vou até o senhor.

Drácula vai em direção a Van Helsing.
Van Helsing retira do bolso junto ao coração um pequeno estojo de veludo.
Drácula pára.

Drácula: Mais remédios, Professor?
Van Helsing: Sim, Conde. E mais eficaz do que acônito.
Drácula: Tem certeza?

Drácula vai para morder o pescoço de Van Helsing.
Van Helsing segura o estojo na direção de Drácula.
Drácula se transfigura de pavor e foge de Van Helsing.
Van Helsing persegue Drácula.

Drácula: Ah! Sacrilégio!
Van Helsing: A igreja me concedeu dispensa.

Van Helsing interrompe-lhe o caminho da porta e acossa-o em direção à janela.
Drácula, a rosnar, lívido de ódio, move-se para a janela, de costas.
Fora da janela, ele abre a capa na forma de um morcego, solta uma longa gargalhada de deboche e vai.
Van Helsing quase desmaia.
Ele coloca o estojo de volta no bolso, faz o sinal da cruz e enxuga o suor da testa.
Ouve-se um tiro.
Van Helsing vai até a janela.
Um morcego voa, quase batendo no seu rosto.
Van Helsing cambaleia para trás.
Seward entra correndo, com o jornal na mão.

Seward: Deus meu, Van Helsing! O que foi isto?

Seward joga o jornal sobre a mesa.

Van Helsing: Um tiro de revólver. Que alívio! Pelo menos isso é humano!
Seward: Quem quebrou o espelho?
Van Helsing: Eu.

Harker entra.

Harker: Desculpe. Assustei alguém? Morcego do inferno… Ele estava sobrevoando esse lado da casa. Não aguentei. Eu tive que atirar.
Seward: Você acertou?
Harker: Bom, eu…
Van Helsing: Não, meu caro, ainda não inventaram a bala capaz de atingir aquele morcego. Minhas armas são mais eficazes.
Harker: Do que o senhor está falando?
Van Helsing: De Drácula. Ele esteve aqui.
Seward: Deus meu!
Harker: Como foi que ele entrou?
Van Helsing: Você pergunta como o Rei dos Vampiros entra ou sai, durante a noite, durante as horas de seu reinado? Ele entra e sai como o vento, meu caro; assim: fuf.
Harker: O que ele veio fazer aqui?
Van Helsing: Ele veio me matar. Mas eu trago comigo um poder maior do que o dele.
Harker: Que poder?
Van Helsing: Eu previ este ataque. Obtive uma dispensa do Cardeal. Trago comigo…

Van Helsing faz o sinal da cruz.

Van Helsing: … a hóstia sagrada.

Harker também faz o sinal da cruz.

Van Helsing: Ele veio e eu tirei a minha prova, se é que precisava provar alguma coisa. O espelho não reflete este morto-vivo, este ser sem sombra. Vejam, cortei o dedo. Ao ver o sangue, ele olhou para longe; ao ver a hostia sagrada, ele voou para longe.
Seward: Lucy não pode saber disto.
Van Helsing: (COM TERNURA) Sua filha já sabe. Ela sabe mais do que você imagina.
Harker: Como? Se soubesse, ela teria me contado.
Van Helsing: À medida em que estes ataques se sucedem, ela vai ficando mais e mais sob o poder dele. Eles estão ligados por uma união mística.

Seward solta um suspiro.

Van Helsing: Sim, é duro, mas você precisa encarar os fatos. É até possivel que ele já seja capaz de ler os pensamentos dela. Por esta razão, ela não deve ser informada de que nós sabemos dos caixões de terra: Drácula pode saber tudo o que ela sabe.

Lucy entra.

Seward: Lucy, de pacto com o demônio!? Não, isto não é possível.

Lucy vai até a mesa e pega o jornal.

Van Helsing: Não, não, Senhorita Lucy, por favor.
Harker: Lucy, o que há nesse jornal que tanto perturba você?

Lucy dá o jornal para Harker.

Lucy: Lê, John.

Harker pega o jornal.
Van Helsing faz menção de impedi-lo.

Van Helsing: Não, Harker.
Lucy: Lê, John!

Van Helsing se detém.
Lucy senta-se no sofá.
Todos prestam atenção.

Harker: (LÊ) “A Fera de Hampstead. Em Hampstead, uma misteriosa e bela mulher repetiu os seus ataques a crianças, cometidos após o pôr do sol. Os depoimentos de três meninas de menos de dez anos de idade coincidem nos detalhes mais estarrecedores. Todas as meninas afirmaram que uma linda mulher vestida de branco lhes deu chocolates e, em seguida, as atraiu até local ermo, onde as beijou, acariciou e mordeu levemente o pescoço.”

Harker olha para Sewrad e Lucy.

Lucy: Lê mais.
Harker: (LÊ) “Os ferimentos são superficiais. As crianças não apresentavam outros sinais de maus-tratos, bem como não pareciam atemorizadas. Uma das meninas chegou a manifestar, junto a sua mãe, o desejo de poder novamente encontrar a bela mulher.”

Harker volta-se para Lucy.
Seward toma o jornal de Harker.

Van Helsing: Tudo tão rápido… tudo tão rápido…

Harker e Seward trocam um olhar.

Seward: Você sabe o que está havendo, Lucy?

Lucy faz que sim.

Harker: O Professor Van Helsing também sabe, Lucy. E ele sabe como proteger você.
Lucy: É tarde demais.
Van Helsing: Não, Senhorita Lucy, não é tarde demais.
Seward: Estas criancinhas, coitadas, tão inocentes…
Van Helsing: (PARA SEWARD) Você supõe que o Conde Drácula…/
Lucy: (ESTREMECE) Não, esse nome não!
Van Helsing: Você supõe que o Lobisomem tenha cometido isto também?
Seward: É claro que sim! Sob a forma de uma mulher. Quem mais poderia ser?
Van Helsing: É pior, muito pior.
Harker: Pior? Como?

Lucy está imóvel, o rosto congelado de pavor.

Van Helsing: A Senhorita Lucy sabe.
Lucy: A mulher de branco é a Mina.
Harker: Mina? Mas ela morreu, Lucy.
Lucy: Mina virou uma lâmia. Ela está possuída pelo… Mestre.
Seward: Deus meu, tende piedade de nós!

Seward joga o jornal sobre a cadeira.

Van Helsing: Querida Lucy, não vou lhe perguntar como descobriu. A partir desta noite, nenhuma criancinha vai se encontrar com a mulher de branco. Ela vai permanecer em repouso… na sepultura onde você a deixou. E sua alma, livre deste horror, permanecerá com Deus.
Lucy: Como é que o senhor vai fazer isso?
Van Helsing: Não faça perguntas.

Lucy agarra-se ao braço de Van Helsing.

Lucy: Professor, se o senhor é capaz de salvar a alma da Mina, depois que ela morreu, será que o senhor, agora, é capaz de salvar a minha alma?
Harker: Oh, Lucy!

Harker senta-se no sofá e passa o braço em torno dela.
Van Helsing segura a mão de Lucy.

Van Helsing: Eu vou salvar você. Em nome de Deus, eu juro. E Deus me mandou um aviso, para que esta noite, neste quarto…/
Lucy: Então promete uma coisa. Tudo o que o senhor sabe, tudo o que o senhor pretende fazer, não me conta, não me conta nada.

Lucy se volta para Harker.

Lucy: Nem que eu implore que você me conte, jura, jura que não vai contar nada. Agora, enquanto eu ainda pertenço a você, enquanto eu ainda me pertenço, diz: eu juro.
Harker: Eu juro.

Harker abraça-a e tenta beijá-la.
Lucy empurra-o, horrorizada.

Lucy: Não, John, não! Não me beija! Nem que eu implore, jura que não vai mais me beijar.

Harker hesita.

Lucy: Jura!
Harker: Eu juro.
Van Helsing: Querida Lucy, de hoje em diante um de nós permanecerá acordado a noite toda, aqui, neste quarto, do lado do seu. Aquela porta vai permanecer aberta.
Lucy: (MURMURA) O senhor é tão bom.
Van Helsing: A Criada vai permanecer com você.

Harker conversa com Lucy, no sofá.
Van Helsing pega um punhado de acônito.

Van Helsing: Doutor, esfregue isto na janela daquele quarto. Assim, veja.

Van Helsing esfrega os batentes da janela.

Van Helsing: Esfregue nos batentes e principalmente na parte superior da fechadura.

Seward observa Van Helsing esfregar e, num movimento rápido, pega o acônito de Van Helsing e sai pelo arco.
Van Helsing se volta, vai até a mesa e pega um colar de acônito.

Van Helsing: Veja, fiz este colar. Use-o no pescoço esta noite. Enquanto estiver com ele, você não terá… aqueles sonhos.

Van Helsing pendura o acônito em torno do pescoço de Lucy. Em seguida, ele retira do bolso um crucifixo preso num cordão e pendura-o também em torno do pescoço dela.

Van Helsing: Jure que não vai tirá-los.
Lucy: Eu prometo.
Van Helsing: Prometer não basta. Jure, jure sobre a cruz.
Lucy: Eu juro!

Lucy beija a cruz.
Van Helsing vai até a porta.

Harker: Professor, a hóstia, ela é mais poderosa do que esse acônito.
Van Helsing: Sem dúvida.
Harker: Então deixa a hóstia com ela. Ela vai ficar invulnerável.
Van Helsing: Não. A hóstia não pode ficar junto ao pecado.

Gritos vêm da esquerda.

Van Helsing: O que é isto?

O Enfermeiro entra pela esquerda.
A Criada vem do quarto.
Seward entra pelo arco.

Enfermeiro: É o Renfield.
Seward: Mas por que ele ainda não está trancado?
Enfermeiro: Ele trancou pelo lado de dentro, Doutor. Ele ‘garrou u’a maluca, ele ‘garrou ela pela goela.

O Enfermeiro sai.
Lucy se levanta.

Van Helsing: Ah! Agora é sangue humano! (RÁPIDO) Seward! Harker! Venham!
Seward: Por que eu não botei este beócio no olho da rua!?

A Criada vai até Lucy.
Van Helsing e Seward saem.

Harker: (BALBUCIA) Não é nada de mais, Lucy. Eu volto já, já.

Harker sai atrás de Van Helsing e Seward.

Lucy: John… (PARA A CRIADA) Não vá embora.
Criada: Claro que não, Senhorita Lucy. E só briga de doido. O senhor Harker volta já, já.

A Criada coloca Lucy no sofá.
Lucy perde os sentidos.
A Criada pega sais aromatizados.

Criada: Respire fundo, Senhorita Lucy.

O rosto de Drácula surge por trás da tapeçaria na parede do fundo e desaparece em seguida.
A Criada vai até a direita, recebe um recado e volta.
Ela recoloca os sais na penteadeira.
Ela vai até Lucy.

Criada: (SIBILA COMO DRÁCULA) Essas flores dos infernos fizeram a Senhorita desfalecer.

A Criada retira o crucifixo e o acônito do pescoço de Lucy, e joga-os no chão.
Ela vai até a direita, recebe outro recado e leva as mãos à cabeça.
Ela volta-se lentamente, olha para a janela e vai até o sofá.

Criada: Está tudo tão abafado…

A Criada dirige-se para a janela.
Lucy solta um gemido.
A Criada destrava o trinco e abre a janela.
Uma névoa entra.
A Criada se afasta e recebe outro recado.
Uma pausa.
A Criada apaga as luzes e vai para o quarto ao lado.
O palco está escuro.
Lá fora, uivos, próximos e distantes, de cães apavorados.
Desce uma cortina de gaze e uma luz verde se acende em resistência sobre o sofá e o centro do palco.
No centro, percebemos Drácula, de pé, de costas para a platéia, os braços abertos como um enorme morcego.
À medida que ele se move à frente, Lucy se levanta lentamente do sofá e cai em seus braços.
Eles se beijam demoradamente.
Em seguida, ela se deixa cair sobre o braço direito de Drácula.
Drácula desnuda-lhe o pescoço e começa a mordê-lo.

CAI O PANO

ATO III

CENA I

A biblioteca.
Trinta e duas horas depois, pouco antes do amanhecer.

Uma estaca e um martelo estão sobre a mesa.
Os cães uivam.
As cortinas se movem como se alguém estivesse entrando pela janela.
A cadeira atrás da mesa, virada de costas, gira até ficar de frente para a platéia.
Após uma pausa, Van Helsing entra, acompanhado de Seward.
Van Helsing anda compassadamente de um lado para o outro.
Seward senta-se à mesa.
As portas centrais abrem-se de súbito e entra o Enfermeiro.

Enfermeiro: Professor, esse meu emprego aqui, o senhor pode dar ele para quem quiser ficar com ele.
Seward: O que houve?
Enfermeiro: Eu vi, com esses olhos aqui. E o que eu vi está visto. Vou ‘garrar o primeiro trem e nem quero nem paga das minhas contas.
Van Helsing: Onde está Renfield?
Enfermeiro: Já que o senhor pergunta, eu respondo para o senhor que ele deve estar fazendo u’a visitinha aos cafundós do inferno.
Seward: Você deixou que ele escapasse mais uma vez?
Enfermeiro: Escuta aqui, Doutor. Já que eu, a bem dizer, pedi as contas, agora eu não tenho mais que prestar conta de coisa nenhuma para nenhum dos senhores. Homem nenhum dá conta de coisa que ele não dá conta. E ponto final.

Seward se afunda na cadeira, a cabeça entre as mãos.

Van Helsing: Você vai abandonar o Doutor Seward exatamente agora que ele precisa de toda ajuda possível?
Enfermeiro: Professor, eu não sou homem de correr do batente. Também não sou homem de aturar esculacho por coisa que eu não dou conta – que ninguém dá.
Van Helsing: Você tem razão. Não existe ferrolho nem grade capaz de manter preso o Renfield.

Seward olha para ele.

Enfermeiro: Ah, agora o senhor falou! Ontem, eu meti ele na camisa de força e passei o dia todo chumbando grade na janela. Agora, eu vou lá e dou com grade aberta para tudo quanto é lado, tudo torto que nem vela derretida. E ele se escafedeu.
Van Helsing: Tente encontrá-lo.
Enfermeiro: ‘Encontrá-lo’ como, professor!? É fácil falar ‘encontrá-lo’, ‘encontrá-lo’… Olha pra mim: eu tenho cara de lagartixa? Eu dou conta de caçar ele muro acima, muro abaixo? Olha pra mim. Olhou bem? Olhou? Agora dá o meu emprego pra uma lagartixa!

O Enfermeiro sai.

Van Helsing: O demônio zomba de nós. Pouco depois de descobrir o que sabemos e fizemos, ele vem até aqui e arrasta consigo aquele pobre rapaz.
Seward: (APÁTICO) O que pode o vampiro querer com o Renfield?
Van Helsing: Renfield está sendo treinado para unir-se ao Rei dos Vampiros depois de morrer. Precisamos evitar que isto aconteça.
Seward: Como, meu Deus!? (PAUSA) Meu Deus… Van Helsing, se nós formos derrotados, Deus não existe.
Van Helsing: Não podemos nos desesperar.
Seward: O demônio é capaz de prever tudo!
Van Helsing: Quando invadimos Carfax e encontramos o caixão de terra, pensei que fosse o fim do vampiro. Depois, sempre que encontrávamos um caixão em cada uma das suas quatro casas, eu pensava que o vampiro tivesse chegado ao fim. Quando levantei a tampa do quinto caixão, tive a certeza de que ali estava ele, sem escapatória.
Seward: (AMARGO) Todos vazios.
Van Helsing: Cinco caixões, todos vazios.
Seward: Ele só trouxe seis, no avião. Só falta mais um.
Van Helsing: Só mais um, escondido em lugar que jamais descobriremos. E agora ele está alertado.
Seward: Fomos derrotados.

A cadeira gira aré ficar de costas para a platéia.
As cortinas esvoaçam para fora da janela.
Seward consulta o seu relógio de pulso.

Seward: Só falta meia hora para o sol nascer.

Seward se levanta e vai até a lareira.

Seward: Pobre John, velando Lucy há nove horas. Tão logo o sol nasça, ela estará a salvo e ele poderá dormir um pouco. Se é que alguém pode dormir aqui nesta casa.
Van Helsing: Se alguém vai dormir, eu não sei. Sei que a Senhorita Lucy vai, tão logo o sol nasça.
Seward: Mais um horror?
Van Helsing: Você não percebeu que ela permanece acordada a noite toda e dorme durante o dia?
Seward: Isto está ligado à… transformação?
Van Helsing: Claro que sim. E, às vezes, a transformação que brota de seu rosto…
Seward: Não, pelo amor de Deus, eu não aguento!
Van Helsing: Pelo seu amor por ela, você tem de aguentar.
Seward: Mas como ele conseguiu, se ela tinha o acônito e a cruz pendurados no pescoço!? Hipnose transmitida pelo demônio?
Van Helsing: Exatamente. Ele deve ter compelido a Criada a tirar o acônito e a cruz e a abrir a janela. Eu devia ter previsto.
Seward: Não se culpe. O demônio é mais astuto do que nós.

Seward se senta no sofá.

Seward: Lucy parece ter melhorado. Antes deste último ataque, ela sempre estava exausta. Mas ontem, quando o sol se pôs e ela acordou, depois de dormir o dia todo…
Van Helsing: … o sangue havia retornado as suas faces.
Seward: Sim, graças a Deus…
Van Helsing: E de onde veio este sangue!?
Seward: O que é que você quer dizer com isto? Mais outro horror?

A porta da esquerda range e se abre um palmo.
Uma mão comprida e magra surge para dentro do aposento.
Seward percebe-a e tem um sobressalto. Ele se levanta.
Van Helsing vira-se rapidamente.
A porta se abre lentamente e Renfield se esgueira para dentro.

Renfield: Um, dois: dois homens. Um, dois, três, quatro, cinco e meia: cinco e meia da manhã. Dois homens, que não são doidos nem nada, zanzando que nem zumbi, às cinco e meia da manhã. Doideira…

Renfield vai até a janela.

Van Helsing: (A SEWARD) Esta criatura semi-humana pode nos ser útil. (CHAMA) Renfield.
Renfield: Um, um quer me pegar! Ele, ele quer me matar!
Van Helsing: Colabore conosco, Renfield, e nós o salvaremos.
Renfield: Você? Você, um hominho mirrado, vai agora botar essa cabeça aí para brigar com a cabeça dele? Ha! Ha! Você está é lelé! É, você, holandês cabeçudo, mais, dois, esse psiquiatra débil mental aí e, três, aquele fedelho fedendo a cueiro… Nem cem soldados, nem mil policias, nem milhões de Londres, ninguém pode com o Mestre!
Van Helsing: Deus pode!
Renfield: Ha! Ha! Ha! Deus fez o mal. Por que que Deus fez o mal, se Deus é bom? Ha! Ha! Essa é boa! Responde, vai!
Seward: Como foi que você escapou pelas barras de ferro?
Renfield: Doido é bicho parrudo, Doutor.
Van Helsing: Renfield, nós sabemos que você não entortou as barras sozinho.
Renfield: (NORMAL) Não, os senhores sabem, eu sei. Eu queria que elas ficassem ali, direitinho; queria que elas prendessem ele do lado de fora. Ele veio e entortou tudo. Aí ele me chamou e aí eu tive que ir. (VOLTA A INSANIDADE) O Mestre, ele está danado. Falou que me dava vida pra toda a vida; que me dava bicho vivo, mil bichos, dos grandes, mais grandes que mosca e aranha; que me dava sangue pra beber, e sangue, e mais sangue. Obedecer a ele eu obedeço, mas que nem ele, eu não quero ficar, não. Eu sei muito bem que sou doido, sei muito bem que sou bicho mau também: eu como vidas, e tal. Mas são só umas vidinhas de inseto. Que nem ele, eu não sou, não. Não como vida de gente.

Das coxias, Lucy solta uma risada e diz “Ah, John!”.
Lucy entra com Harker.
Lucy está mudada. Suas faces estão rosadas, ela parece mais saudável, cheia de vitalidade.
Harker e ela se detêm, surpresos, ao avistarem Renfield.

Renfield: Foi pela Senhorita. Eu traí ele pela Senhorita.

Lucy sorri.

Renfield: Minha boca falou que eu ia servir ao demo, mas eu não servi ele, não. Não gosto de mulher que não tem sangue dentro das veias.

Lucy solta uma risada.

Renfield: Mas eu vim e avisei vocês e fiz ele ficar com raiva. E agora… (HISTÉRICO) … ele vai vir e vai me matar!

Lucy solta outra risada.

Renfield: E aí eu não vou ter mais coisa viva pra comer; aí eu não tenho mais sangue, sangue, sangue!

Renfield se lança ao pescoço de Lucy.
Harker agarra-o.
Van Helsing também.
Seward vem e toma o lugar de Harker.
Renfield grita e se debate violentamente.
Seward e Van Helsing levam-no para fora.

Harker: Lucy, meu amor, você não deve ligar para esse doido, coitado.
Lucy: (DANDO RISADA) Eu não. Ele me diverte.

Lucy vai até o sofá e se senta.

Harker: Diverte como? Um capeta.

Lucy ri.

Harker: Graças a Deus o sol já vai nascer.

Lucy pára de rir.

Lucy: O sol nasce, a vida murcha. Detesto o sol. Como é que alguém pode gostar da luz?
Harker: É a luz do dia! É a luz da vida!
Lucy: É nas trevas da noite que existe vida de verdade, é de noite que existe o gozo do amor.

Harker se volta para ela, hesita.

Lucy: Vem, vem para mim, John, John, meu John.

Harker vem, se senta ao lado dela.

Harker: Lucy, eu estou tão feliz por você estar melhor.
Lucy: Nunca estive tão bem, tão cheia de saúde. Aquela pobre coitada, pálida, abatida não existe mais. John, não sei o que fez você me amar, não tinha por quê. Mas agora tem.
Harker: Eu adoro você.
Lucy: Então me conta uma coisa. Se você me ama, me conta…/

Harker se afasta um pouco.

Lucy: Não, não foge de mim.
Harker: Você me fez jurar que eu não ia contar nada.
Lucy: Ah, mas eu desobrigo você desse juramento. Pronto. O que é que você, papai e aquele professor maluco estavam fazendo o dia todo?
Harker: Não posso contar. Eu jurei.
Lucy: Você diz que me ama e não confia em mim!
Harker: A você eu confio minha vida, minha alma…
Lucy: Então prova. O que é que vocês estavam fazendo lá em Carfax? Para que aquele martelo e aquela estaca medonha toda de ferro?

Harker balança a cabeça.
Lucy fica com raiva.
Harker coloca a cabeça entre as mãos, como se chorasse.

Lucy: Você não vai achar que eu estou perguntando isso porque…/ Eu só quero saber é se você me ama de verdade.

Harker se afasta dela.

Lucy: Quer dizer que você esconde os seus planos de mim, com medo que eu passe adiante, não é? Vocês três são uns bobocas. Ele consegue descobrir o que quiser. Sozinho. Ele sabe tudo o que vocês estão fazendo, ele sabe tudo o que vocês estão pensando. Ele sabe de tudo.
Harker: Lucy!

Harker coloca a cabeça sobre a perna de Lucy e soluça.
Lucy ergue as mãos como se fosse estrangulá-lo.
Em seguida, ela muda de atitude e acaricia-lhe a cabeça.

Lucy: Querido, desculpe. Vou afogar essas lágrimas nos meus beijos.

Lucy começa a beijá-lo.
Harker levanta-se subitamente e se afasta.

Harker: Não, você não pode me beijar! Você me fez jurar que eu não ia deixar você me beijar.
Lucy: John, querido, você não percebe que eu pedi isso porque te amo muito. Eu tinha medo do que pudesse acontecer. Você sempre disse que eu era fria, mas dentro das minhas veias tem sangue, sangue quente, meu querido John. E eu sabia que se beijasse você…/ Mas agora já passou: vem. (FIRME) Será que eu preciso repetir?
Harker: Eu não entendo você.
Lucy: (VAI ATÉ ELE) Eu amo você, eu quero você.

Lucy estende os braços para ele.

Lucy: Vem, meu amor, vem. Eu quero você, eu quero você para mim.

Harker pára de resistir e vai para ela, arrebatado.

Harker: Lucy, meu amor!

Harker toma Lucy nos braços.
Lucy segura-lhe a cabeça e curva-a para trás. Lenta e triunfantemente, ela se curva sobre ele, sua boca passeia sobre a dele.
Cães uivam lá fora.
Num movimento rápido, Lucy curva a cabeça de John ainda mais, e sua boca se dirige ao pecoço dele.
Aa portas centrais se abrem.
Van Helsing entra correndo, segurando o crucifixo.

Van Helsing: Harker! Cuidado!

Harker se afasta de Lucy.
Van Helsing estende o braço com o crucifixo para os dois.
Repugnância e ódio transfiguram o rosto de Lucy, Como um animal, ela rosna e recua.
Van Helsing persegue-a, apontando-lhe o crucifixo.
Lucy desmaia sobre o sofá.

Van Helsing: (PARA HARKER) Eu lhe avisei.

Van Helsing ajoelha-se ao lado de Lucy e fricciona-lhe as têmporas.
Pouco a pouco, Lucy volta a si.
Ela olha em seu redor, depara-se com a cruz, segura-a e beija-a com fervor.

Van Helsing: (ARDENTEMENTE) Deus misericordioso, eu Lhe dou graças!

Um tempo.
Harker vai até o sofá.

Lucy: Não chegue perto de mim, John. Eu estou possuída pelo pecado.
Harker: (SENTA-SE DO LADO DELA) Meu amor, para mim você é a pureza em pessoa.
Van Helsing: Sim, ela é pura. E o pecado que dela se apossou, dela será extirpado.
Lucy: (COM VOZ FRACA) O senhor disse que podia salvar a alma da Mina.
Van Helsing: E a alma de Mina subiu aos céus.
Lucy: (MURMURA) Como?

Seward entra, alarmado, e vai até eles.
Van Helsing, com um gesto, pede silêncio.

Van Helsing: Sim, agora eu posso lhe contar. Entrei no túmulo da Mina, abri o caixão e lá estava ela, mergulhada no mais profundo dos sonos. Não, ela não estava morta, não estava completamente morta. As faces estavam rosadas. No canto da boca, havia uma gotícula de sangue, como um pequeno rubi. Finquei uma estaca no meio de seu coração. Um grito, um espasmo e, em seguida, o manto da paz cobriu-lhe o rosto. Com a ajuda de Deus, fiz com que ela deixasse de ser uma morta-viva. Agora, Mina está completamente morta.
Lucy: Se eu morrer, prometam, jurem que vão fazer o mesmo com o meu corpo.
Harker: Eu juro.
Seward: Eu também.
Van Helsing: O mesmo será feito.
Lucy: Meu amor, meu pai, meu querido amigo, vocês juraram salvar a minha alma. Pronto, agora estou quite com a vida. Não posso continuar a viver e virar… Vocês sabem o quê.
Van Helsing: Não, não, Senhorita Lucy, por tudo o que existe de sagrado, nem pense nisto. O suicídio a colocaria para sempre sob o poder dele.
Lucy: Eu não posso virar uma coisa dos infernos.
Harker: (LEVANTA-SE) Esse demônio que desgraçou a sua vida será encontrado por nós. Minha mão devolverá aquela alma do mal para a fornalha do inferno.
Lucy: Sim, ele deve ser destruído. Se vocês conseguirem. Mas nada de ódio, nada de vingança. Ele deve ser destruído com piedade. Essa pobre alma que tanto mal espalhou por tanta gente, ela precisa mais das nossas preces do que qualquer outra alma.
Harker: Você não pode pedir que eu tenha piedade.
Lucy: Talvez eu também venha a precisar das suas preces e da sua piedade.
Van Helsing: Senhorita Lucy, agora que está de posse de si mesma, por favor, ajude-me.

Van Helsing segura a mão dela.

Lucy: Ajudar como? Não, não, não diga nada. O senhor não deve me dizer nada.
Van Helsing: Todas as vezes em que aquele rosto branco e aqueles olhos vermelhos vieram até aqui, a Senhorita ficou pálida, exaurida, depois. Mas da última vez…/
Lucy: Da última vez, ele veio até aqui; ele disse que eu era a noiva dele; ele disse que ia me marcar, ia me marcar para ele, para sempre.
Van Helsing: E depois?
Lucy: Depois…/

Lucy se levanta e vai até a porta.

Lucy: Não, não consigo. Eu não posso contar, eu não consigo.
Van Helsing: Consegue sim!
Seward: Conte, Lucy.
Lucy: Uma veia, com a unha. Ele abriu uma de suas veias, cortou com a unha… Colocou minha boca sobre o corte. Disse que era um sacramento místico. Eu fui obrigada, ele me obrigou a beber… Eu não consigo, eu não posso continuar.

Lucy, histérica, sai correndo.
Seward sai atrás dela.

Van Helsing: Eu lhe avisei, meu caro. Corri para cá quando ouvi o uivo dos cães.
Harker: Os cachorros! O Lobisomem está por aqui.
Van Helsing: Ele está atrás de Renfield.
Harker: Santo Deus, temos que fazer alguma coisa!
Van Helsing: E tem de ser já. Vou deixar Renfield aqui, como deixei a Senhorita Lucy. Se o demônio aparecer, nós três vamos barrar as duas portas e a janela.

Harker vai até a janela. Ele ri, incrédulo.

Harker: Barrar? Barrar o demônio?
Van Helsing: Sim, barrar o demônio. Cada um de nós levara consigo um objeto sagrado.
Harker: E depois?
Van Helsing: Depois será o terror. Não sabemos da extensão dos seus poderes. Mas disto eu sei…

Van Helsing consulta o relógio.

Van Helsing: Faltam oito minutos para o sol nascer; faltam oito minutos para as forças do mal fenecerem. Só lhe resta um único caixão para refugiar-se. Se conseguirmos mantê-lo aqui até o amanhecer, isto será o seu fim. O martelo e a estaca estão prontos.

Cães uivam.
Harker sai pela janela.

Van Helsing: Ele chegou! Agora!

Van Helsing corre até a janela, agarra Renfield e arrasta-o para dentro.

Renfield: Não, não, não!
Van Helsing: Sim! Isto pode salvar-lhe a vida e a alma.
Renfield: Não, não, sozinho, não! Não me deixa sozinho!

Van Helsing empurra-o para frente.
Renfield cai.
Van Helsing apaga as luzes e sai, fechando a porta atrás de si.
Renfield ergue-se lentamente, olha à sua volta e uiva de pavor.
Ele se agacha junto ao fogo da lareira, o mais longe possível da janela e das portas.
Pela porta central, sob uma fraca luz azul, surge Drácula.
Ele usa os trajes de noite e a mesma capa de antes.
O fogo da lareira projeta uma luz vermelha sobre ele.
Renfield está de costas para a platéia.

Renfield: Mestre! Eu não fiz nada. Eu não contei nada! Eu sou todo seu. Sou seu escravo, sou seu servo, sou seu cachorro!

Renfield uiva de pavor.
Lentamente, Drácula se aproxima de Renfield.

Renfield: Mestre, não me mata! Pelo amor de Deus, me deixa viver! Me castiga, me tortura, eu mereço. Mas me deixa viver! Não posso me encontrar com Deus, assim, com todas essas vidas berrando dentro da minha cabeça, com todo esse sangue escorrendo das minhas mãos.
Drácula: (COM A CALMA DO SEPULCRO) Eu lhe disse. Mas parece que você se esqueceu. Sim, você será meu, na hora da sua morte. Você gozará, para sempre, da posse sobre as vidas dos corpos e das almas dos animais e das pessoas.
Renfield: Sim, Mestre, sim, eu quero sangue, eu quero as vidas. Mas vida de gente, eu não quero, não.
Drácula: Você me traiu. Você tentou obstar meu pacto com Lucy, minha Lucy, a minha possuída, minha.
Renfield: Misericórdia, misericórdia, não me mata, misericórdia!

Muito lentamente, Drácula ergue o braço direito em direção a Renfield.
Renfield grita, desta vez por dor física.
Como um passarinho diante de uma cobra, Renfield se arrasta em direção a Drácula, que permanece de pé, imóvel.
Quando Renfield chega aos pés de Drácula, este, num movimento rápido, se curva, agarra-o pelo pescoço e ergue-o, a mão sufocando os gritos do Renfield.
Aa portas centrais se abrem de súbito.
Van Helsing acende as luzes.
Drácula larga Renfield, que cai no canto do sofá e lá permanece durante o que se segue.

Drácula estremece diante de Van Helsing.
Van Helsing retira do bolso interno o estojo com a hóstia e estende-o na direção de Drácula.
Drácula recua e gira rapidamente em direção à janela.
Harker surge da janela, na mão, um crucifixo voltado para Drácula.
Drácula recua.
Seward entra, segurando o acônito.
Os três homens permanecem de pé, com seus braços direitos apontados para Drácula.
Drácula gira, vai até a lareira, volta-se e fita-os.

Drácula: Prezados amigos, lastimo não ter estado presente para recebê-los quando visitaram os meus aposentos.
Van Helsing: (CONSULTA O SEU RELÓGIO) Quatro minutos.
Drácula: (CONSULTA O SEU RELÓGIO) Quatro minutos, Professor.
Van Helsing: Sua vida na morte chegou ao fim.

Harker vai em direção a Drácula.

Drácula: Tenho a impressão de que não, Professor.
Harker: Mais quatro minutos e você vai estar no inferno. E, depois, nem mil séculos vão fazer com que você fique nem um segundo mais perto do fim da sua purgação.
Van Helsing: Não diga isto, Harker. A Senhorita Lucy nos pediu preces e piedade. (PARA DRÁCULA) Faça as pazes com Deus, morto-vivo. Não somos seus juízes; não sabemos como esta maldição se apossou de você.
Drácula: Débeis mentais! Com hóstias, crucifixos e acônitos, acham que com isto são capazes de me destruir, a mim, o Rei dos Vampiros? Vocês vão ver. Vocês conspurcaram cinco dos meus caixões, mas e o sexto?
Van Helsing: Você não pode chegar até ele. Assuma a sua verdadeira forma de Lobisomem, se quiser. Seus dentes podem nos estraçalhar, mas cada um de nós jurou detê-lo aqui… (CONSULTA O RELÓGIO) … por mais dois minutos e meio. Então, você desmaiará e nós lhe daremos um fim.
Drácula: Vocês vão deter a mim!? Débeis mentais! Ouçam estas palavras que soarão para sempre dentro dos seus tímpanos, que torturarão os seus cérebros mesmo dentro da tumba! Eu vou dormir em meu caixão pelos próximos cem anos. Isto você conseguiu, Van Helsing. Mas vou despertar daqui a cem anos. Vou tirar minha noiva de sua tumba, vou trazê-la para junto de mim, a minha Lucy, a minha Rainha.

Harker e Seward aproximam-se dele.

Drácula: Possuo outras noivas, de outras eras, que me aguardam em minhas cavernas, na Transilvânia. Mas, acima de todas elas, estará Lucy.
Harker: Mesmo que você escape, nós sabemos como salvar a alma da Lucy.
Drácula: Ah, a estaca. Sim, mas só se ela morrer durante o dia. Farei com que ela morra durante a noite. Quando morrer, ela virá para um dos meus caixões e lá ela aguardará o seu Mestre. Para fazer com ela o que você fez com a minha Mina, Van Helsing, você precisará encontrar o corpo dela. E isto você não conseguirá.
Harker: Então, ela vai morrer de dia.
Drácula: E quem vai matar Lucy? Você? Um camundongo cheio de medo?
Seward: Não responda, John, ele está desesperado. Ele quer se vingar, quer nos atormentar, depois.
Van Helsing: (CONSULTA O RELÓGIO) Trinta segundos.

Eles fecham o cerco.

Drácula: Eu lhe sou grato por lembrar-me da hora.
Van Helsing: Harker, abra as cortinas.

Harker abre as cortinas.
Lá fora, a luz da manhã que se aproxima.

Van Helsing: Ali está o leste. O sol vai nascer ali.

Drácula se cobre com a capa.
Seward olha para a janela, deixando o acônito sobre a mesa.

Seward: As nuvens se colorem…
Harker: Manhã divina…

Harker deixa o crucifixo sobre a mesa.
Van Helsing consulta o relógio.
Drácula vai para o fundo do palco e dá as costas para os três homens.

Drácula: A que tarefa agradável o senhor se reservou, meu caro Harker.
Van Helsing: Dez segundos. Estejam prontos para quando ele desmaiar.

Seward caminha até a esquerda de Drácula, para segurar-lhe a capa.
Harker segura a capa, à direita de Drácula.

Harker: O sol! A estaca, Professor, a estaca! Segura ele, Doutor.
Seward: Ele está seguro.

Drácula solta uma gargalhada debochada e desaparece, deixando os dois homens a segurar uma capa vazia.
Um raio explode defronte à lareira.
Harker recua para a esquerda baixa e deixa cair, em frente da mesa, a capa vazia.
Os três homens olham em volta.

Harker: Subiu pela chaminé, como um morcego. Lembram o que ele disse?
Seward: Deus não vai permitir.
Harker: E agora, o que vamos fazer, Doutor Van Helsing?

Van Helsing examina o prostrado Renfield.
Em seguida, ele cruza o palco e faz sinal para que Harker e Seward se aproximem.

Van Helsing: (SUSSURRA) Vamos fazer com que Renfield nos mostre!
Seward: Como?
Van Helsing: Teríamos coragem de deixar Renfield no mundo, para tornar-se escravo depois de morrer?
Seward: Não podemos cometer assassinato!
Harker: Se o senhor não pode, Doutor, eu posso!
Van Helsing: (PARA SEWARD) Vá até o seu consultório e traga uma droga indolor.

Desconfiado, Renfield se esgueira até a estante.
Ele olha pelo aposento e para a estante.

Renfield: Eles vão me matar, Mestre! Me salva! Eu sou seu!

O painel da estante se abre.
Renfield sai por ali.
O painel se fecha.

Van Helsing: Seward, ele nos mostrou o caminho! Onde vai dar esta passagem?
Seward: Nunca soube que ela existia.

Harker corre até a mesa, pega a estaca e o martelo.
Eles correm em direção à estante.

Van Helsing: Só aquele diabo sabe como abri-la. Temos de atravessar de qualquer maneira. Harker, depressa, o martelo!

BLACKOUT / CAI O PANO

CENA II

Uma caverna. A escuridão é total.
Um caixão à direita do centro e atrás de uma cortina de gaze.
A luz de uma tocha é vista descendo lentamente as escadas, ao centro.

Voz de Van Helsing: Por amor a Deus, tome cuidado, Seward.
Voz de Seward: Estas escadas não acabam nunca!
Voz de Van Helsing: Que Deus nos proteja.
Voz de Seward: Harker!
Voz de Van Helsing: Ele foi buscar uma lanterna.
Voz de Seward: Pronto, cheguei ao final da escada.
Voz de Van Helsing: Cuidado, estou bem atrás de você.

A tocha vasculha lentamente a caverna.

Voz de Seward: Que lugar é este?
Voz de Van Helsing: Parece uma caverna pré-histórica.

Grito abafado de Sewrad.
A tocha cai.

Voz de Van Helsing: O que houve? Onde está você, Seward?
Voz de Seward: Aqui. Uma ratazana bateu no meu pé.

Uma luz desce as escadas.
Surge Harker, com uma lanterna acesa.
Ele chega ao chão e ilumina parcialmente a caverna. Ele traz a estaca e o martelo.

Harker: Onde os senhores estão? Que lugar é esse?
Van Helsing: Não estamos vendo nada.

Harker se move com a lanterna.

Harker: Isso aqui fede a morcego.
Van Helsing: De fato, é um odor animal, semelhante a toca de lobo.
Harker: Então é isso!
Seward: Isto aqui está completamente vazio.
Harker: (À ESQUERDA, COM A LANTERNA) Aqui tem outra passagem.
Van Helsing: (INDO PARA A ESQUERDA) Era disto que eu suspeitava. Deve dar em Carfax. O sexto caixão está aqui.
Harker: E dentro está o demônio.
Seward: Como podem saber?

Seward reacende a tocha, cuja luz se derrama sobre Renfield, prostrado no chão.
Ao ser iluminado, Renfield solta um grito e rasteja rapidamente para a escuridão à direita.

Seward: Renfield!

Harker e Van Helsing correm para lá.

Van Helsing: Onde está ele?
Seward: Por ali. Mesmo que Renfield conheça este lugar, isto não prova que o vampiro está aqui.

Van Helsing vai até a direita e agarra Renfield.

Van Helsing: Agora é a vida do vampiro ou a sua!

Van Helsing arrasta Renfield até a luz da lanterna.

Van Helsing: Olhem, olhem para ele: ele sabe!
Renfield: Eu não sei de nada! Me larga! Me larga!

Renfield se solta e volta para a direita.

Van Helsing: Ele estava prostrado aqui, mas não me deixou arrastá-lo de volta… Ah! Aqui! Depressa, a estaca!

Harker e Van Helsing fazem uma alavanca com a estaca e abrem a laje de pedra e o caixão.
Os três homens, com horror e triunfo, contemplam o caixão.

Seward: Massa horrenda de matéria morta-viva!
Harker: Deixe que eu cravo a estaca!

Van Helsing toma a estaca de Harker e leva-a para dentro do caixão.
Renfield está de pé na extremidade do caixão.

Van Helsing: (SUSSURRA) Doutor, o coração é aqui?
Seward: É.

Van Helsing entrega o martelo para Harker.
Harker ergue o martelo acima da cabeça e desce-o com toda força contra a estaca.
Ouve-se um gemido abafado.
Silêncio.

Harker: A estaca está cravada no coração de Drácula!
Van Helsing: Vejam o rosto; vejam a paz que lhe cobre o rosto.
Seward: Ele está se pulverizando.
Renfield: Ha! Ha! Livre! Deus! Santo! Salvador! Livreee! Ha-Ha-Ha! Ha-Ha-Ha! Ha-Ha-Ha!

Lucy desce as escadas e pára.

Lucy: Papai! Papai! John!
Harker: Lucy!

Van Helsing enche a mão de pó e derrama-o sobre o corpo.

Van Helsing: Do pó vieste, ao pó retornarás.

CAI O PANO

A cortina se abre novamente e todo o elenco vem à boca do palco.

Van Helsing: (PARA A PLATÉIA) Senhoras e senhores, concedam-nos mais um minuto, antes de partirem. Esperamos que a estória de Drácula e Renfield não lhes causem “sonhos assustadores”. Esperamos agora poder oferecer-lhes algumas palavras de conforto. Mais tarde, quando, em suas casas, as luzes se apagarem, se por ventura tiverem medo de olhar atrás das cortinas, se por ventura tiverem medo de encontrar um rosto atrás da janela, acalmem-se. Lembrem-se de que, afinal, estas coisas existem realmente.

CAI O PANO

 


0 Respostas to “DRÁCULA – de Hamilton Deane & John Balderston.”



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