ÉDIPO EM COLONUS, de Sófocles.
Tradução e adaptação de Flavio de Campos,
a partir da tradução de Richard Jebb.
Petrópolis, outubro de 2023.
Este trabalho visa mais a palco do que a Academia. Por esta razão, cuidei para que escolhas lexicais, sintaxe e sonoridade visassem a clareza, economia e fluência, o que redundou em alguns cortes e reconfigurações. Como W. B. Yeats, “com a tradução de Richard Jebb nas mãos”, pretendi “tornar o idioma clássico mais acessível, tanto para os atores que devem expressá-lo, quanto para o espectador que deve recebê-lo”.
(apud K.P.S. Jochum, in https://muse.jhu.edu/article/367339/pdf)
Muitos anos se passaram desde os eventos narrados em Édipo Rei.
Depois de sua queda, Édipo permanece em Tebas por um tempo, mas, incitados por Creonte, os tebanos decidem expulsá-lo dali. Seus filhos Polinices e Etéocles nada fazem para impedir sua expulsão.
O cego Édipo sai de Tebas com sua filha Antígona; sua filha Ismênia fica em Tebas, para defender os interesses do pai.
A princípio, Polinices e Etéocles concordam em legar o trono a seu tio Creonte, mas logo passam a disputar o trono entre si e Etéocles, o mais moço, vence a disputa. Expulso de Tebas, Polinices vai para Argos e, lá, se casa com Argeia, a filha mais velha do Rei Adrasto, com cujo apoio ele prepara um ataque a Tebas.
Um oráculo de Apolo vai a Tebas e revela que, se a cidade quer prosperar, o túmulo de Édipo deve estar em terreno tebano. Se aquele túmulo estiver na Ática, Atenas irá dominar Tebas. Assim, Édipo, velho, cego, esmolambado e degradado, carrega consigo a bênção divina para o lugar em que for sepultado.
Cena em Colonus, a dois quilômetros de Atenas, em frente ao bosque das deusas da vingança, as Três Fúrias, também chamadas de Erínias ou de Eumênides.
PERSONAGENS:
ÉDIPO.
ANTÍGONA, filha de Édipo.
ISMÊNIA, filha de Édipo.
HOMEM DE COLONUS.
TESEU, Rei de Atenas.
CREONTE, Rei de Tebas.
POLINICES, filho mais velho de Édipo.
MENSAGEIRO.
CORO DE ANCIÃOS DE COLONUS.
ÉDIPO e ANTÍGONA entram.
ÉDIPO: – Antígona, filha deste velho cego, a que lugar chegamos, a que cidade? Quem irá acolher este Édipo errante, hoje com bens escassos ou nenhuns? Almejo pouco, recebo menos do que pouco e assim me contento. Cansaço, sofrimento e anos desta nossa longa peregrinação nos ensinaram a paciência. (T) O cansaço…
Um tempo.
ÉDIPO: – Minha filha, se vires um lugar de descanso, profano ou sagrado, sente, sente-se comigo, para que, como estrangeiros que somos, possamos saber dos moradores onde estamos e quais as suas demandas.
ANTÍGONA: – Meu cansado pai, sente-se aqui nesta pedra. O senhor trilhou longo caminho para homem velho. Sente. (T) Pelo que vejo, as torres que guardam a cidade estão distantes. E, pelo que vejo, este lugar é sagrado. Ele é repleto de louros, oliveiras, videiras e, no seu cerne, um coro de rouxinóis produz música.
ÉDIPO: – Então, cuide deste cego.
ANTÍGONA: – Não necessito aprender. O tempo me ensinou.
ÉDIPO: – Podes dizer, agora, a que lugar chegamos?
ANTÍGONA: – Atenas, eu conheço. Mas este lugar, não.
ÉDIPO: – Assim todos os viajantes nos disseram…
ANTÍGONA: – Devo procurar saber como este lugar é chamado?
ÉDIPO: – Sim, minha filha. Se de fato for habitado.
ANTÍGONA: – Habitado certamente é. E…/ Pronto, vejo um homem.
ÉDIPO: – Vindo ou indo?
ANTÍGONA: – Vindo.
Entra um HOMEM DE COLONUS.
ANTÍGONA: – Ele está aqui. Fale quando queira.
ÉDIPO: – Estrangeiro, ouvindo esta donzela, que tem visão para si mesma e para mim, o senhor veio para dissipar nossas dúvidas…/
HOMEM: – Antes de me dirigir perguntas, abandone esse assento. O senhor está em terreno no qual não é lícito estar.
ÉDIPO: – Que terreno é este? Sagrado por qual divindade?
HOMEM: – Divindades tenebrosas o possuem: as filhas das trevas.
ÉDIPO: – Quem são? Que nome tenebroso devo ouvir e invocar?
HOMEM: – Eumênides, as que tudo vêem. É assim que o povo daqui as chama. Mas outros povos as chamam por outros nomes.
ÉDIPO: – Neste caso, elas podem receber seu suplicante, pois jamais deixarei esta terra.
HOMEM: – O que significa isto?
ÉDIPO: – A senha do meu destino.
HOMEM: – Não, não ouso expulsá-lo sem anuência da cidade. Antes, devo relatar o que estou fazendo.
ÉDIPO: – Por amor aos deuses, homem, não recuse a este infeliz errante que sou o que necessito saber.
HOMEM: – Fale. Em mim, não encontrareis recusa.
ÉDIPO: – Qual, então, é o lugar em que entramos?
HOMEM: – Tudo o que sei, saberás agora pela minha voz. Este lugar é sagrado. Poseidon o possui e, dentro deste lugar, está um deus repleto de fogo, o titã Prometeu. Mas onde pisais é o limiar desta terra, o que guarda Atenas. Os povos vizinhos consideram o cavaleiro Colonus como seu senhor primordial. Saibas, estrangeiro, este lugar não é honrado pela história, mas amado pela vida.
ÉDIPO: – Há moradores aqui?
HOMEM: – Sim, certamente.
ÉDIPO: – Eles têm um rei ou a fala é do povo?
HOMEM: – Este lugar é governado pelo rei de Atenas.
ÉDIPO: – E quem é o soberano, em saber e poder?
HOMEM: – Chama-se Teseu, filho de Egeu, rei antes dele.
ÉDIPO: – Poderia um mensageiro ir buscá-lo?
HOMEM: – Que desejo ou oferta o traria aqui?
ÉDIPO: – Diga-lhe que uma pequena oferta lhe trará grande bênção.
HOMEM: – Que bênção pode vir de quem não vê?
ÉDIPO: – A de que, em tudo o que falo, há visão e bênção potentes.
HOMEM: – Atente, estrangeiro: não vim fazer-te mal. Se deixo tua sina de lado e julgo pelo que vejo, tu és nobre. Esteja aqui, até que eu vá e relate ao povo deste lugar o que vi e ouvi. Eles decidirão se deves ficar ou ir.
HOMEM sai.
ÉDIPO: – Minha filha, o homem se foi?
ANTÍGONA: – Sim. Falai o que quiserdes, meu pai. Apenas eu estou por perto.
ÉDIPO: – Ó, veneradas senhoras, vosso assento é o primeiro em que dobrei os joelhos, nesta terra. Sejais generosas, por mim ou por Apolo que, quando traçou meu destino, falou deste lugar como um descanso hospitaleiro no qual eu, exaurido, encerraria minha vida. Aqui, aqueles que me acolherem receberão graças. Lá, aqueles que me expulsaram receberão desgraças. E Apolo falou dos sinais do porvir: terremoto ou trovão ou raio de Zeus.
Agora, sim, entendo que uma predição das senhoras me trouxe a este bosque. Como poderia eu, que no vinho não me deleito, ter vos encontrado? Como chegaria eu a este assento solene?
Se assim é, veneradas senhoras, por Apolo, concedam-me o fim da minha vida. Ou estarei abaixo de vossa graça? Não, não! Ouvi, doces filhas das trevas, ouvi, vós que fostes chamadas a Atenas: tende piedade deste espectro do Édipo de outrora.
ANTÍGONA: – Silêncio! Aí vêm uns idosos, para examinar vosso local de repouso.
ÉDIPO: – Rápido, esconda-me no bosque! Ouvir o que esses homens dizem nos dirá o que fazer.
ÉDIPO e ANTÍGONA saem.
Entra o CORO de anciãos de Colonus, fragmentado e numa busca frenética.
CORO: – Atenção! – É ele? – Quem é ele? – Onde está ele? – Para onde ele correu? – Insolente. – Ele se crê acima dos viventes. – Examinemos o terreno. – Procuremos. – Olhemos bem. – Todas as partes. – Um andarilho. – Deve ser andarilho. – E velho. – Morador daqui? – Não. – Morador daqui jamais entraria neste bosque das donzelas. – Donzelas contra quem ninguém pode lutar. – Cujo nome trememos ao falar. – De quem, quando por aqui passamos, desviamos nosso olhar. – Por quem nossos lábios sussurram sem soar um só som. – Nem palavra. – Em devoção. – Mas, agora, se diz que veio alguém. – Que, de forma alguma, as reverencia. – Procuremos. – Aqui. – Ali. – Lá. – Acolá. (Um tempo) – Procuramos tudo. – Aqui e alhures. – E nada. – Nada. – Não conseguimos encontrá-lo. – Nem vê-lo. – Nem sequer vê-lo…
ANTÍGONA e ÉDIPO saem do bosque.
ÉDIPO: – Aqui vedes o homem que procurais. Já eu, eu os vejo apenas no som que emitis.
CORO: – Ó, horror de ver! – Ó, pavor de ouvir!
ÉDIPO: – Não, não me considerem maligno, eu vos suplico.
CORO: – Zeus, nos defenda! – Tu, velho, quem és?
ÉDIPO: – Guardiões desta terra, sou alguém cuja sorte não invejais! Perambulo no escuro, sustentado em minha débil filha.
CORO: – És cego desde o dia em que nasceste? – Parecem malditos, os teus dias. – Muitos dias, ao que parece. – Sim. – Sim. – E tu não atiras sobre nós as maldições que sofreste? – Sendo assim, de nós não receberás maldição acrescentada às tuas. – Mas afasta-te. – Afasta-te. – Foste longe demais. – Teus passos imprudentes não podem violar o chão deste bosque. – Ali, as bacias misturam água às oferendas. – Esteja ciente, infeliz forasteiro: é transgressão. – Afasta-te! – Afasta-te do bosque! – Um espaço nos separa dele. – Ouves, andarilho exausto? – Saia do terreno proibido. – Venha para lugar lícito. – Fale. – Mas, antes, afasta-te!
ÉDIPO: – Filha, o que faremos?
ANTÍGONA: – Devemos nos conformar aos costumes da terra. Cedendo, no que for necessário. E ouvindo.
ÉDIPO: – Então, me dê tua mão.
ANTÍGONA: – Está junto à vossa.
.
ÉDIPO: – Estrangeiros, não me façam mal. Confiei em vós quando deixei meu refúgio.
CORO: – Jamais, velho, alguém te removerá a força do teu lugar de repouso.
ÉDIPO anda com dificuldade.
ÉDIPO: – (pára) Aqui está bem?
CORO: – Não. – Adiante.
ÉDIPO: – (pára) Mais?
CORO: – Conduza-o adiante, donzela. – Tu entendes.
ANTÍGONA: – Venha, meu pai. Siga-me com vossos passos escuros.
CORO: – Estrangeiro numa cidade estrangeira. Tu deves abominar o que a cidade abomina. E reverenciar o que a cidade reverencia.
ÉDIPO: – Que assim seja. (T) Minha filha, leve-me a um lugar onde eu possa falar e ouvir sem ofender o sagrado nem conflitar com o destino.
Com delicadeza, ANTÍGONA conduz ÉDIPO até uma pedra, no limiar do terreno sagrado.
CORO: – Aí! – Aí está bem! – Não avança teus passos além da rocha!
ÉDIPO: – Aqui?
CORO: – Sim.
ÉDIPO: – Devo me sentar?
CORO: – Sim. Anda para o lado e senta na borda da rocha.
ANTÍGONA: – Pai, esta tarefa é minha. Vem.
ÉDIPO: – Ah… Ah…
ANTÍGONA: – Desça o peso do vosso corpo em meu braço.
ÉDIPO: – Ah, o destino de uma alma em trevas!
ANTÍGONA senta-o na rocha.
CORO: – Agora, tens paz. – Agora, fala. – De onde vieste? – Quem és? – Qual o teu nome?
ÉDIPO: – Estrangeiros, sou um exilado, mas abstenham-se de…/
CORO: – Nos abstermos de quê? – O que temes?
ÉDIPO: – Abstenham-se, abstenham-se de perguntar quem sou.
CORO: – Por quê? – Por qual razão? – Com que propósito?
ÉDIPO: – Minha concepção, meu nascimento, minha existência…/
CORO: – Como? – Por quê? – Fala!
ÉDIPO: – Minha filha, o que devo falar?
CORO: – Qual é tua linhagem? – Quem é tua mãe? – Quem é teu pai? – Fala! – Fala!
ÉDIPO: – Ah… O que será de mim, minha filha?
ANTÍGONA: – O senhor foi levado ao limite, meu pai. Fale.
ÉDIPO: – Falarei. Não tenho como ocultar.
CORO: – Basta! Não tardes! Fala!
ÉDIPO: – Conheçam, então: eu sou o filho de Laio e…/
O CORO emite um grito longo.
ÉDIPO: – …da dinastia de Lábdaco.
CORO: – Zeus! – Não! – Édipo? – O infeliz Édipo? – Não! – Tu não és Édipo! – Tu és Édipo?
ÉDIPO: – Nada do que eu fale deve lhes provocar temor.
Num urro de aversão, o CORO abafa sua voz e traz seus mantos à frente dos olhos.
ÉDIPO: – Sim, eu sou Édipo.
CORO: – Não! Não! Não! Não! Não!
ÉDIPO: – Filha, o que está prestes a acontecer?
CORO: – Saia desta cidade! – Saia desta terra! – Saia daqui! – Suma! – Desapareça!
ÉDIPO: – E vossa promessa de que jamais alguém me removerá do meu lugar de repouso? Não será cumprida!?
CORO: – Não! Destino nenhum desgraça ninguém que busca justiça contra malfeito. Tu, levanta deste assento! Leva tu de volta contigo! Anda! Sai! Vai! Para longe! Já! Antes que atraias desgraça para nossa cidade!
ANTÍGONA: – Estrangeiros de reverente alma, percebo que vós não tolerais meu velho pai, mesmo sabendo, como sabem, da inocência de intenções em seus atos. Tende ao menos piedade por ele, eu vos suplico. Suplico com olhos que ainda podem ver os vossos, como se tivessem nascido de vós. É assim que um sofredor pode encontrar compaixão. Como de um deus, de vós dependemos. Vede nossa miséria! Concedei a bênção que de mais ninguém esperamos! Por tudo o que brota daquilo que vós amais, eu vos suplico! Olhai e vereis que não existe mortal algum que consiga escapar a um deus.
CORO: – Sim, filha de Édipo, percebemos tua sina. E temos piedade por teu pai. Mas tememos o julgamento dos deuses.
ÉDIPO: – Aqui é Atenas. Atenas é famosa por praticar justiça, por reverenciar os deuses, por acolher estrangeiro alquebrado. E o que encontro? Vós, que me expulsais desta terra!? Vós, que temeis apenas o meu nome!? Não, não temei minha pessoa nem minhas ações. Minhas ações foram reações a sofrimento. Ou necessito narrar as ações de meu pai e de minha mãe? Não existe maldade em minha pessoa. Eu apenas reagi a um erro. E agi sem conhecimento. Mesmo se tivesse agido com conhecimento, eu não poderia ser considerado mau. Os que me injustiçaram buscaram minha ruína. Por tanto e tudo, estrangeiros, eu vos suplico, pelos deuses: protegei-me! Não recusai aos deuses o que lhes é devido. Atentai que eles percebem os puros e os impuros. E que jamais houve fuga para mortal impuro. Sob a luz dos deuses, não obscurecei a fama de Atenas, não cometei ações profanas. Acolhei um suplicante. Acolhei-me até o fim; até o meu fim. Vim a vós como alguém sagrado, piedoso e repleto de conforto para vosso povo. Quando vosso soberano vier, ouvireis, vereis e sabereis a verdade.
CORO: – Teus pensamentos, velho homem, foram traduzidos em densas palavras. Teus pensamentos nos causaram comoção. Mas cabe a nosso soberano julgar esta causa.
ÉDIPO: – E onde, estrangeiros, está vosso soberano?
CORO: – Está na cidade. O mensageiro que nos trouxe aqui, nós o enviamos, para buscá-lo.
ÉDIPO: – Ele virá atender a um cego?
CORO: – Sim. Teu nome, Édipo, ecoa por todas as terras. Quando ouvir teu nome, Édipo, nosso rei virá.
ÉDIPO: – Que venha. Trago bênção à vossa cidade e a mim.
ANTÍGONA: – Ó, Zeus! O que devo pensar, meu pai, o que devo dizer?
ÉDIPO: – O que há, minha filha?
ANTÍGONA: – Uma mulher. Vejo uma mulher. Ela vem para cá, montada num potro. Ela usa um gorro da Tessália, para se proteger do sol. O que devo dizer? É ela? Não. Me iludo? Sim. Não. Não sei. Ah, sei, sim! Ela me saúda! Seus olhos brilham. Sim, é Ismênia!
ÉDIPO: – O que dizes, minha filha?
ANTÍGONA: – Que vejo minha irmã, vejo tua filha Ismênia com um servo. O senhor irá reconhecê-la pela voz.
ISMÊNIA entra com um Servo.
ISMÊNIA: – Meu pai! Minha irmã! Que felicidade dizer estas palavras! Como foi difícil encontrá-los! Como é difícil vê-los atrás de minhas lágrimas!
ÉDIPO: – Minha filha Ismênia! Tu estás aqui!
ISMÊNIA: – Sim, meu pai E feliz. E triste, ao ver vosso destino.
ÉDIPO: – Toque, toque em mim, minha filha!
ISMÊNIA: – Toco nos dois.
ÉDIPO: – Minha filha… Minhas duas filhas…
ISMÊNIA: – Três vidas infelizes…
ÉDIPO: – Filha, por que vieste?
ISMÊNIA: – Por preocupação com o senhor. E para trazer notícias.
ÉDIPO: – Sozinha? Com apenas um servo? E teus irmãos?
ISMÊNIA: – Eles estão onde estão: na escuridão.
ÉDIPO: – Vivem como egípcios: ficam em casa, enquanto as mulheres saem para trabalhar. Como vós, que carregam o fardo de vosso pai, enquanto eles ficam em casa. Minha filha Antígona, tão logo se tornou adulta, tornou-se guia de velho, atravessando florestas, suportando chuva, calor e fome, para que vosso pai não fenecesse. E tu, minha filha Ismênia, escondida dos tebanos, trazias a teu pai o que os oráculos profetizavam. Enquanto estive no exílio, tu zelaste pelo meu nome.
Que notícias trazes? (T) Percebo: tens medo.
ISMÊNIA: – Não narrarei as dores pelas quais passei, procurando pelo senhor. Não quero reviver dores. Narrarei os males que agora afligem vossos desventurados filhos.
Era desejo deles que o trono fosse para Creonte e, assim, a cidade fosse poupada da desgraça que caiu sobre nossa família. Mas, agora, movidos por algum deus ou ideia tortuosa, eles lutam entre si, pelo poder, pelo reino. Etéocles, mesmo sendo o mais jovem, privou do trono Polinices, o mais velho, e o expulsou de sua terra. Polinices se exilou em Argos, casou, reuniu guerreiros e vai atacar Tebas. Meu pai, não falo palavras vãs; falo de fatos, de terríveis fatos. (T) Quando, deuses, tereis piedade do sofrimento de meu pai!?
ÉDIPO: – Tu esperas que os deuses, algum dia, olhem para meu sofrimento?
ISMÊNIA: – Sim, meu pai. Minha esperança vem dos oráculos de agora.
ÉDIPO: – O que profetizam os oráculos de agora, minha filha?
ISMÊNIA: – Que os homens de Tebas querem o senhor, corpo vivo ou cadáver, para bem-estar deles.
ÉDIPO: – Que pessoa poderia receber um bem de pessoa como eu?
ISMÊNIA: – O poder deles, assim dizem os oráculos, está em vossas mãos.
ÉDIPO: – Agora, quando deixo de ser? Agora, sou homem?
ISMÊNIA: – Sim. Os deuses trabalharam para vossa ruína. Agora, trabalham para vossa consagração.
ÉDIPO: – É perverso consagrar um velho, depois que sua juventude foi arruinada.
ISMÊNIA: – Saiba ao menos que, por esta razão, Creonte virá até o senhor. E ele vem mais cedo do que tarde.
ÉDIPO: – Com que propósito, filha, me diga?
ISMÊNIA: – Para dominar o senhor. Para sepultar o senhor perto de Tebas e, assim, seus pés não pisarão em Tebas.
ÉDIPO: – E como posso lhes ser útil, enquanto descanso fora de seus portões?
ISMÊNIA: – Vosso túmulo guarda uma desgraça para eles, se não for bem cuidado.
ÉDIPO: – Para tal, não carece haver deus algum.
ISMÊNIA: – Para tal, lhes convém ter o senhor num lugar no qual não terá domínio sobre si.
ÉDIPO: – Eles me cobrirão com terra tebana?
ISMÊNIA: – Não, meu pai. O senhor verteu sangue de seu pai.
ÉDIPO: – Então, eles jamais serão meus mestres.
ISMÊNIA: – Então, uma maldição cairá sobre os tebanos.
ÉDIPO: – Sob que conjunto de eventos, minha filha?
ISMÊNIA: – Por força da vossa ira, no instante em que se aproximarem de vossa tumba.
ÉDIPO: – E quem contou para ti o que tu, agora, contas para mim?
ISMÊNIA: – Os oráculos de Apolo, do templo de Delfos.
ÉDIPO: – Apolo falou assim, sobre mim?
ISMÊNIA: – Assim falaram os oráculos que foram a Tebas.
ÉDIPO: – Algum dos meus filhos ouviu isso?
ISMÊNIA: – Ambos ouviram, ambos sabem.
ÉDIPO: – Mais do que a minha volta, meus filhos querem um trono?
ISMÊNIA: – Tomada de dor, devo anuir.
ÉDIPO: – Deuses! Deuses! Façam que o agora rei perca reinado e cetro. E que o desterrado jamais retorne à sua terra. Eles viram o pai ser expulso de sua cidade e nada fizeram. Deuses! Deuses! Façam os dois arderem no próprio ódio. Eles dirão que ser expulso foi desejo meu, que a cidade me concedeu esta dádiva. Não. Não. Naquele dia, meu desejo era morrer. Sim, morrer por apedrejamento. Ninguém me concedeu este desejo. Depois, quando meu horror arrefeceu, percebi que, ao punir meus erros passados, minha ira fora excessiva. Foi nesta hora que a cidade me expulsou e meus filhos, que poderiam ter-me amparado, nada fizeram, nada disseram, e fui posto a vagar, um pária, um errante, um pedinte, para sempre.
É a vós, minhas filhas, que devo alimento, proteção e laços de parentesco. Vossos irmãos trocaram vosso pai por um trono. Não, eles jamais terão Édipo como aliado, nem jamais o bem lhes virá do reinado de Tebas. Quando ouço os oráculos pela boca de minha filha, percebo as profecias que Apolo lançou para mim. Que qualquer poderoso de Tebas venha me caçar, que venha Creonte! Se, em comunhão com as deusas que aqui habitam, vós, estrangeiros, estiverdes dispostos a me amparar, vós tereis, em mim, um protetor desta cidade e um tormento dos inimigos dela.
CORO: – Tu, Édipo, e tuas filhas são merecedores de compaixão. E, se a teu apelo, tu adicionas poder para proteger nossa terra, acolhe um conselho.
ÉDIPO: – Estou pronto para acolher o que têm a dizer. Digam!
CORO: – Purga a ofensa que cometeste contra estas divindades, cujo terreno invadiu.
ÉDIPO: – Com que ritos? Instruam-me!
CORO: – Primeiro, de fonte perene e com mãos limpas, encha de água uma das bacias que lá estão.
ÉDIPO: – E, com a bacia cheia…?
CORO: – Cubra sua borda e alças.
ÉDIPO: – Com folhas? Galhos? Com lã?
CORO: – Com lã de cordeiro, recém-tosquiada.
ÉDIPO: – O que devo acrescentar à água?
CORO: – Acrescente mel. Jamais vinho. E, com o rosto voltado para a aurora, verta a água. Verta em três fluxos. No terceiro, esvazia a bacia. Completamente. E faça a oração.
ÉDIPO: – A quem devo orar? O que devo orar?
CORO: – Ore para as Eumênides, as bondosas Eumênides. Elas podem acolher o suplicante. A oração, ela será a tua própria ou a de quem ore por ti. Que a voz saia sem som. Isto feito, retire-se. Sem olhar para trás. Assim faça e ficaremos tranquilos, ao teu lado. O contrário nos fará temer por ti.
ÉDIPO: – Filhas, ouviram estes cidadãos daqui?
ANTÍGONA: – Ouvimos, pai. Diga-nos o que fazer.
ÉDIPO: – Que uma de vós fique. Careço de força e de guia. Que uma de vós vá e assim faça. Que vá já.
ISMÊNIA: – Eu vou. Eu executo o rito. Onde?
CORO: – Do outro lado deste bosque, donzela. Se carecer de algo, há o guardião do lugar. Ele irá orientá-la. Ele irá ajudá-la.
ISMÊNIA: – Eu vou. Antígona fica. Filha não recusa ajuda a pai.
ISMÊNIA sai.
CORO: – Traz temor despertar dor adormecida há tanto tempo, estrangeiro. Ainda assim, ansiamos saber…/
ÉDIPO: – O quê? O que mais?
CORO: – …ansiamos saber o horror contra o qual lutaste. E segues lutando.
ÉDIPO: – Por respeito às leis da hospitalidade, não exponhais minha desonra!
CORO: – É história alastrada. É história que não arrefece. Ansiamos saber a verdade. Narre o que aconteceu. E o que o acontecido fez acontecer.
ÉDIPO: – Deuses!
CORO: – Concede nosso pedido…
ÉDIPO: – Deuses, concedam-me força!
CORO: – … como nós concedemos o teu.
ÉDIPO: – Sofri – os deuses são sabedores! – sofri por acontecidos alheios à minha escolha. Dor, pavor, horror.
CORO: – Quais?
ÉDIPO: – Fiz casamento maligno. Tebas me uniu, sem saber, à mulher que era minha desgraça.
CORO: – Foi, como soubemos, que tu fizeste tua mãe companheira de tua cama?
ÉDIPO: – Deuses! Estas palavras dilaceram meus ouvidos. As duas donzelas nascidas de mim…
CORO: – O que vais dizer?
ÉDIPO: – … brotaram do ventre do qual eu brotei.
CORO: – Elas são, então, filhas e…
ÉDIPO: – …irmãs do pai!
CORO: – O horror trouxe o horror!
ÉDIPO: – Horrores que rasgam minha alma!
CORO: – Tu sofreste…/
ÉDIPO: – Sofrimentos insuportáveis.
CORO: – Tu pecaste…/
ÉDIPO: – Pecado nenhum!
CORO: – Nenhum?
ÉDIPO: – Tebas me concedeu uma homenagem. Não, jamais deveria ter recebido aquela homenagem por ter servido Tebas!
CORO: – Amaldiçoado! Da tua mão pingou sangue?
ÉDIPO: – Por que a pergunta? O que vós aprenderieis?
CORO: – Sangue de um pai?
ÉDIPO: – Ah! Vós vindes num segundo ataque! Um segundo ataque!
CORO: – Assassino!
ÉDIPO: – Não! Matador. E aqui revelo o que me redime.
CORO: – O quê?
ÉDIPO: – Aquele que matei teria me matado.
CORO: – Shhh… Suspenda a narrativa. Aí vem nosso rei. Ele atende a teu rogo. Aqui está Rei Teseu, o filho de Egeu.
Entra TESEU.
TESEU: – O filho de Laio. Muitos me falaram da destruição dos teus olhos; agora percebo que é fato. Tuas vestes rotas, o tormento estampado em teu rosto e tudo dita o teu nome: Édipo, o desgraçado. Também vivi desterro como o teu e, como tu, lutei sozinho para sobreviver. Sei bem que minha dimensão não é maior do que a tua. Tenho compaixão e pergunto qual o teu interesse por Atenas ou por mim? Por que fizeste daqui o teu lugar? Teu e da infeliz donzela ao teu lado. Fala, confessa, roga. Apenas um rogo horrendo me afastaria de ti.
ÉDIPO: – Vossa realeza expressou com exatidão quem sou, de que pai nasci, a que desterro sobrevivi. Para mim, resta apenas expressar meu rogo.
TESEU: – Fala. Desejo saber.
ÉDIPO: – Venho oferecer este meu corpo roto. Não, ele não é belo, mas as bênçãos que traz superam qualquer beleza.
TESEU: – Que bênçãos dizes trazer?
ÉDIPO: – Daqui a pouco saberás.
TESEU: – Quando?
ÉDIPO: – Quando eu estiver morto e vós me concederdes sepultura.
TESEU: – Tu almejas ao derradeiro sopro da vida?
ÉDIPO: – Sim. Por esta concessão, eu acolho tudo.
TESEU: – É rogo singelo.
ÉDIPO: – Em verdade, não. Não é singelo.
TESEU: – Por quê? Envolve teus filhos e eu?
ÉDIPO: – Meus filhos, Rei Teseu, querem me arrastar para Tebas.
TESEU: – Mas, se eles querem acolher-te, o desterro não é apropriado.
ÉDIPO: – Quando roguei acolhimento, eles recusaram.
TESEU: – Homem tolo. No infortúnio, não cabe deixar-se levar pelo rancor.
ÉDIPO: – Fazei vosso julgamento após saber da minha história. Até lá, abstende.
TESEU: – Procede. Não devo julgar sem saber.
ÉDIPO: – Sofri injustiça sobre injustiça.
TESEU: – Falas da maldição sobre a tua família?
ÉDIPO: – Não. Isto é sabido por toda a Grécia.
TESEU: – Que dor supera as dores de um homem?
ÉDIPO: – Por ter matado meu pai, fui expulso da minha cidade por meus próprios filhos, para não mais voltar.
TESEU: – Como, então, eles te querem de volta?
ÉDIPO: – Da boca de um deus virá a ordem.
TESEU: – Cuja desobediência se ata a que desgraça?
ÉDIPO: – A de eles serem destroçados por esta cidade.
TESEU: – Como o ódio irá se instaurar entre mim e eles?
ÉDIPO: – Bondoso filho de Egeu, apenas os deuses não conhecem velhice e morte. Tudo mais é dominado pelo tempo, tudo é esvaído pelo tempo. O vigor de um corpo se esvai, o vigor de um país se esvai, a confiança fenece, a desconfiança nasce, o elo se quebra, mesmo entre amigos, mesmo entre cidades. Cedo ou tarde, vemos o doce se tornar amargo, o amor se tornar ódio que, um tempo mais, se torna amor. Agora, entre Atenas e Tebas, tudo é paz. Mas o tempo, no seu fluxo sem fim, gera dias e noites e dias e noites que, por razão pouca ou nenhuma, farão cruzar lanças que hoje lutam em concórdia. Quando meu corpo estiver adormecido e sepultado, o frio da morte beberá meu sangue quente e…/ Não, não quebrarei os mistérios. Encerro por onde comecei: fazei valer vossa palavra e jamais tereis de dizer que acolhestes Édipo em vão.
CORO: – Rei Teseu, desde o início, este homem demonstrou vontade de cumprir suas promessas à nossa terra.
TESEU: – Impossível rejeitar oferecimento de amizade como este. Lar de amigo está sempre aberto a amigo. Ele veio, suplicante aos nossos deuses e portador de benefício à nossa terra e a mim. Em reverência, acolho sua graça e o torno cidadão desta terra. Se lhe for de agrado permanecer aqui, eu me encarregarei de protegê-lo. Se lhe for de agrado vir comigo, venha. Édipo, a tua vontade é a minha.
ÉDIPO: – Zeus, sejais bondoso para tais homens!
TESEU: – Qual é a tua vontade? Queres vir para minha casa?
ÉDIPO: – Quereria, se lícito fosse. Mas meu lugar é aqui.
TESEU: – Por que teu lugar é aqui?
ÉDIPO: – Aqui, vencerei aqueles que me derrotaram.
TESEU: – Parece grande a graça trazida por tua presença.
ÉDIPO: – Será, se vossa promessa for mantida.
TESEU: – Não há o que temer. Não fui feito para falhar.
ÉDIPO: – Não vos atarei a promessa alguma. Não vos tomo por duvidoso.
TESEU: – Minha palavra basta.
ÉDIPO: – O que ireis fazer?
TESEU: – Qual o teu temor?
ÉDIPO: – Eles virão…
TESEU: – (indica o Coro) Eles cuidarão disto.
ÉDIPO: – Rei Teseu, se vós vos ausentardes…/
TESEU: – Não me digas o que fazer.
ÉDIPO: – O medo me faz dizer.
TESEU: – Meu coração não tem medo.
ÉDIPO: – Vós sabeis das ameaças.
TESEU: – Sei que ninguém te levará daqui sem minha permissão. A ira lança ameaças, mas, quando a razão se exibe, as ameaças cessam. Tenha coragem. Independente de qualquer decisão minha, Apolo traçou o teu caminho. Mesmo na minha ausência, meu nome irá protegê-lo.
TESEU sai.
CORO: – Estrangeiro, tu vieste para Colonus, o lar mais belo que há, a terra dos mais belos cavalos, na qual os rouxinóis, nossos hóspedes constantes, trinam suas notas mais límpidas, no bojo das clareiras, ali, em meio à hera verde-escura. E, nos caramanchões inviolados dos deuses, ricos em uvas e frutas, Dionísio, o exuberante dançarino, se encontra com as bacantes, suas ninfas. Alimentado por orvalho celestial, o narciso brota de manhã em belos cachos, o açafrão floresce com raios dourados e as fontes indormidas, de onde escorrem as águas do rio Céfiso, fecundam as planícies. Também é aqui que florescem as oliveiras perenes de folhas cinzentas, que produzem alimento às nossas crianças e terror aos nossos inimigos. Outro louvor que temos a fazer a esta cidade, nossa mãe, é sua força no mar e a pujança dos seus cavalos, pois Poseidon, filho de Cronos, nos deu remo de suprema velocidade e freio que freia a fúria dos cavalos.
ANTÍGONA: – Ó terra louvada, agora, cabe a vós tornar louvores em ações!
ÉDIPO: – O que aconteceu, minha filha?
ANTÍGONA: – Creonte e seu séquito aí vêm.
ÉDIPO: – Bondosos anciãos, eu lhes suplico, me dêem segurança!
CORO: – Nada temas. Se somos velhos, a força desta terra não envelheceu.
Entram CREONTE e séquito.
CREONTE: – Senhores, nobres habitantes desta terra, vejo que minha chegada trouxe temor a vossos olhos. Não, não se afastem nem pronunciem palavra hostil. Não trago hostilidade. Estou velho e sei que a cidade para onde vim é poderosa. Vim para suplicar àquele homem que volte comigo para Tebas. Vim encarregado pelo nosso povo, já que me cabe, por parentesco e, mais que todos os tebanos, lamentar suas desgraças. Infeliz Édipo, ouça-nos: volta para tua casa! Tu és clamado por todo o povo de Tebas e, mais do que todos, por mim. Eu seria o mais vil de todos os homens se contemplasse sem tristeza teus infortúnios, tua velhice e tu, assim, um mero estrangeiro a vagar na mendicância, com uma menina e mais nada. Infeliz menina, solteira e solitária, vulnerável a qualquer mão cruel, nunca imaginei que pudesses cair tão fundo na miséria. Esta vergonha não pode seguir exposta. Com gratidão, se despeça daqui e volte para tua cidade, para a casa de teus pais, onde foste amamentada.
ÉDIPO: – Pessoa peçonhenta, sonsa e cínica, que torce fatos para obter intentos. Por que tu tentas, mais uma vez, me lançar numa rede de dor e horror? Quando, ensandecido por infortúnios forjados por mim mesmo, eu ansiava por ser expulso de Tebas, tua vontade não se juntou à minha. Mas quando minha dor se esvaneceu e a reclusão tornou-se doce, parentesco algum de nada valeu: tu me expulsaste da casa e da terra. Agora, percebes que sou acolhido numa cidade, escondes pensamentos cruéis em palavras suaves e vens me sequestrar? A bondade que recebo aqui afronta o teu intento? Tu vieste me buscar, não para me levar para casa, mas para me largar nas fronteiras da tua cidade e ela, assim, escapar ilesa das maldições.
Sei mais das sinas de Tebas do que tu. Muito mais. Minhas fontes de conhecimento são íntegras: Apolo e seu pai, Zeus. Tu, o mais vil de todos os homens, tens apenas língua afiada e fraude nos lábios. Teu rogo te fará mais mal do que bem. Vá! Parta! Suma! Nós viveremos aqui. Aqui viveremos felizes.
CREONTE: – Quem sofre mais? Eu, pelo curso que deste à tua vida, ou tu, que por ela cursa?
ÉDIPO: – Sou feliz, ao ver teu rogo falhar comigo, assim como com estes homens que me são próximos.
CREONTE: – És um velho infeliz, cujos anos de vida não lhe trouxeram sabedoria.
ÉDIPO: – Tens língua afiada, mas tuas palavras carecem de honestidade.
CREONTE: – Palavras, palavras e mais palavras… O que importa são suas intenções.
ÉDIPO: – Como se as tuas fossem poucas e bem-intencionadas…
CREONTE: – Não para inteligência como a tua.
ÉDIPO: – Vá! Parta! Suma! Não traga desconforto ao lugar onde estou destinado a ficar. Falo também em nome destes homens!
CREONTE: – Vós, cidadãos, sejam minhas testemunhas: quando estiver sob meu domínio, esse homem terá suas palavras voltadas contra ele.
ÉDIPO: – Quem poderia me dominar, se tenho estes aliados?
CREONTE: – Logo saberás.
ÉDIPO: – Que ação sustenta estas palavras vazias?
CREONTE: – Saiba, então: uma de tuas filhas acaba de ser capturada por mim. A outra, aqui, capturarei em seguida.
ÉDIPO: – Ai de mim!
CREONTE: – Em seguida, proferirás palavras, palavras e mais palavras de lamento.
ÉDIPO: – Tu tens Antígona?
CREONTE: – (a seu séquito) Ou ela vem por vontade própria, ou usem a força.
ANTÍGONA: – Não! Não! Deuses! Homens! Venham em meu socorro!
CORO: – (a Creonte) Estrangeiro, qual a vossa intenção?
CREONTE: – Naquele homem, não tocarei. Mas ela é minha.
ÉDIPO: – Homens de Atenas!
CORO: – Estrangeiro, tua ação não é justa!
CREONTE: – Sou chefe desta família; tomo o que é meu.
ÉDIPO: – Atenas!
CORO: – Solta a menina ou nossa força esmagará a tua!
CREONTE: – Afastem-se!
CORO: – Solta a menina!
CREONTE: – Não dêem ordem a quem lhes é superior.
CORO: – Solta a menina, já!
CREONTE: – Aqui, quem ordena sou eu: sai!
CORO: – Homens de Atenas, estamos sendo atacados! Aqui, aqui, venham em nossa socorro!
ANTÍGONA: – Eles me arrastam! (T) Amigos, amigos!
ÉDIPO: – Minha filha, onde estás?
ANTÍGONA: – Sou levada à força.
ÉDIPO: – Tuas mãos, minha filha, me dê tuas mãos!
ANTÍGONA: – Não consigo.
CREONTE: – (a seus guardas) Vão!
ÉDIPO: – Perdi! Perdi! Estou perdido!
Guardas saem com ANTÍGONA.
CREONTE: – Tuas muletas não guiarão teus passos. Aprende: no passado, a ira foi tua ruína. Aprende: não é bom ser dominado pela ira.
CREONTE finge sair.
CORO: – Estrangeiro, para!
CREONTE: – Não toquem em mim!
CORO: – Devolve as meninas.
CREONTE: – Sendo assim, vou capturar mais do que aquelas meninas.
CORO: – O quê!?
CREONTE: – Esse velho será meu cativo.
CORO: – Uma ameaça!?
CREONTE: – Que será ação.
CORO: – Nosso rei vai impedir! Nosso rei! Nosso rei!
ÉDIPO: – Tu me tocarás?
CREONTE: – Silêncio! Quieto, calado, quedo, mudo!
ÉDIPO: – Meus olhos vêem apenas o negro e tu tiras de mim minha filha, minha visão! Que os poderes deste lugar me emprestem força para proferir mais esta maldição: Apolo, dê a este amaldiçoado uma velhice igual à minha!
CREONTE: – Vêem isto, povo da terra?
ÉDIPO: – Eles vêem a mim e a ti. Eles vêem que tuas ações me trouxeram sofrimento e que minha defesa está apenas nas palavras.
CREONTE: – Não, não vou dominar minha ira. Embora eu esteja velho, só e lerdo, levarei este homem à força.
CREONTE se aproxima de ÉDIPO.
ÉDIPO: – Ahh!
CORO: – Trouxeste espírito ousado, se pensas conseguir isto.
CREONTE: – Eu consigo.
CORO: – Assim, Atenas deixa de ser uma cidade.
CREONTE: – Quando a causa é justa, o fraco vence o forte.
ÉDIPO: – Ouvistes estas palavras?
CORO: – Palavras que ele não vai transformar em ação. Zeus sabe!
CREONTE: – Zeus talvez saiba, tu não.
CORO: – Insolência!
CREONTE: – Insolência que tu vais engolir.
CORO: – Atenas! Vem! Cidadãos de Atenas! Venham! Venham já! Detenham esses homens! Esses homens profanaram limites! Atenas!
Entram TESEU e séquito.
TESEU: – Por que gritam? O que acontece? Que temor os levou a interromper meu sacrifício a Poseidon?
ÉDIPO: – Ah, amigo, conheço vossa voz. Esse homem nos trouxe o horror.
TESEU: – Que horror? Fala!
ÉDIPO: – Creonte, ali, sequestrou minhas filhas.
TESEU: – O que me dizes!?
ÉDIPO: – O que vós ouvistes.
TESEU: – (a seu séquito) Rápido, um de vós, tu! Vai aos altares, diz ao povo para interromper o sacrifício e correr, já, a cavalo ou a pé, até onde as duas estradas se encontram. As donzelas não podem passar dali. Esse estrangeiro crê zombar de mim. Vai, rápido! (a Creonte) Quanto a ti, se minha ira fosse até onde ela quer ir, tu não sairias de minhas mãos sem sangrar. Mas serás justiçado pela mesma justiça que trouxeste: tu não deixarás esta terra até que eu veja as donzelas diante de mim. Tua ação traz vergonha para tua raça e para tua terra. Invadiste uma cidade que respeita a justiça e a fizeste cativa a teu intento, na crença de que era cidade vazia de homens, ou habitada por escravos, ou que eu era coisa qualquer. Não foi o espírito tebano que te fez vil. Tebas não cria vilões. Nem ela te louvaria, se soubesse que tu estás saqueando os deuses, quando sequestras à força teus desafortunados suplicantes. Tu envergonhas uma cidade que não merece vergonha. Meus lábios dizem, mais uma vez: as donzelas devem ser trazidas para cá! E o que meus lábios dizem brota da minha alma.
CORO: – Vês, estrangeiro? Tu és considerado de raça justa, mas tuas ações são injustas.
CREONTE: – Filho de Egeu, não vejo esta cidade vazia de força, nem agi sem pensar. Agi porque julguei que vosso povo não poderia estar envolvido com meus parentes, a ponto de acolhê-los contra minha vontade. Eu acreditava que vosso povo não acolheria um parricida, um homem poluído, que gerou filhos no ventre que o gerou; eu acreditava que tal saber não permitiria que andarilhos assim perambulassem por vossas terras. Nesta crença, sustentei minhas ações. Antes de eu agir, ele lançou maldições sobre mim e sobre minha raça. Injustiçado, julguei ser bem agir assim. Vós agirás como julgar bem.
ÉDIPO: – Alma sem pudor, em quem pensas que cai tua provocação? Em mim ou em ti? Sangue derramado, incesto, sofrimento, tudo o que teus lábios lançaram contra mim, eu suportei – e com que dor! Nada foi escolha minha. Tudo foi escolha dos deuses, talvez irados com a nossa raça, desde tempos idos. Prenda-me e tu não encontrarás nenhum pecado para me repreender, diante do que fui levado a pecar contra mim mesmo e contra meus familiares. Havia um destino divino sobre meu pai, que dizia que ele deveria morrer pelas mãos de um filho que ainda não havia nascido. Nascido e crescido, encontrei meu pai num confronto e o matei, ignorante do que estava fazendo e a quem. Como podes me culpar?
E minha mãe? É tua vontade insultar a ela e a mim? Não te envergonha me forçar a falar das núpcias da tua irmã? Então eu falo, falo tudo. Sim, ela era minha mãe. O horror! Eu não sabia, nem ela. E, para vergonha de todos, ela teve filhos do filho que ela deu à luz.
Se aqui, agora, alguém tentasse te matar, homem horrendo, tu perguntarias se o matador era teu pai? Pois foi em tal evento que os deuses me atiraram e, pudesse meu pai voltar à vida, ele não iria me contradizer.
No entanto, tu me achincalhas e adulas Rei Teseu, exaltando Atenas como cidade bem ordenada. Ao proclamar tantos elogios, tu te esqueces de que, se alguma terra sabe como adorar os deuses, Atenas se destaca. Daqui de onde sequestraste minhas filhas e planejaste me sequestrar, eu, agora, suplico às deusas para que me ajudem e lutem por minha causa. E tu, alma sem pudor, conhecerás os homens que guardam este reino.
CORO: – Rei Teseu, o estrangeiro é homem bom. Seu destino foi desgraçado, mas ele é digno do nosso amparo.
TESEU: – Cessem as palavras. Os sequestradores fogem, enquanto falamos.
CREONTE: – O que ordenais que este homem indefeso faça?
TESEU: – Mostre a meus homens o caminho até as donzelas. O destino caçou o caçador. Teus ganhos ilícitos se perderam. Tu me entendes? Ou estas palavras te parecem vazias?
CREONTE: – Dizei o que quiser, enquanto eu estiver aqui. Em casa, saberei como agir.
TESEU: – Ameace, mas vá! Édipo, tu ficas aqui, em paz. Prometo que agirei até colocar tuas filhas ao teu lado.
ÉDIPO: – Que os céus vos recompensem, Rei Teseu!
Saem TESEU e seu séquito, com CREONTE.
CORO: – Ah, como eu queria, como eu queria estar lá! Lá, no alarido da batalha! O inimigo, o inimigo encurralado! Na adorada praia de Apolo! Ou na praia iluminada por tochas! Na praia onde as Grandes Deusas celebram seus ritos! Seus ritos terríveis! Mortais! Mortais para os mortais! Cujos lábios os sacerdotes de Elêusis selaram, silenciaram, susss, silêncio… (T) Imagino, entrevejo, vejo Rei Teseu e as donzelas. Eles vêm. Estão dentro de nossas fronteiras. Aqui. Saudados por gritos. Vitória! Creonte foi derrotado! Pelos guerreiros de Colonus. Pelos aguerridos guerreiros de Colonus. O aço de cada rédea. As rédeas frouxas de toda a cavalaria.
A batalha, ela acontece agora, ou ainda está por vir? A espera. A esperança de que estaremos com as donzelas. As sofridas donzelas. Cujo sofrimento chega ao fim. Cessa. Hoje. Agora. Por Zeus, sinto vitória. Ah, ser uma pomba veloz. E voar pelo ar. E olhar. E ver. Lá de cima. A luta! Zeus e sua filha, Pallas Athena! Concedam vitória aos guardas desta terra! Apolo e sua irmã, Artemis! Concedam força a esta terra. E ao povo dela. (T) Ali. Pronto. Findam os nossos presságios. Finda a tua vigília, amigo errante. Vossas donzelas aí vêm. Escoltadas. Libertas.
ÉDIPO: – O que dizeis? Como? Onde?
Entram ANTÍGONA e ISMÊNIA, com TESEU e seu séquito.
ANTÍGONA: – Pai, meu pai, se algum deus permitisse que vossos olhos vissem este nobre homem que nos trouxe para vós…/
ÉDIPO: – Minha filha! Tu estás aqui?
ANTÍGONA: – Sim, Rei Teseu e seus guardas nos salvaram.
ÉDIPO: – Minhas filhas, venham até mim! Deixe-me abraçá-las!
ISMÊNIA: – Vosso desejo é o mesmo que o nosso.
ÉDIPO: – Onde? Onde estão?
ANTÍGONA: – Aqui, juntas.
ÉDIPO: – Minhas amadas!
ISMÊNIA: – Meu amoroso pai.
ÉDIPO: – Companheiras em toda a minha vida!
ANTÍGONA: – E companheiras na vossa tristeza.
ÉDIPO: – Também acompanho minhas filhas queridas. Se eu morresse agora, não estaria triste: vós viestes a mim. Venham, crianças, abracem vosso pai e descansem. Esta é a última peregrinação. Relatem o que aconteceu. Um relato breve é bastante.
ANTÍGONA: – Aqui está o nosso libertador. É dele que deveis ouvir a história.
ÉDIPO: – Senhor, perdoe se as palavras para minhas filhas se alongaram e não vos dei a devida atenção. Encontrá-las novamente estava além da minha esperança. Sei que esta alegria veio de vós e somente de vós. Rogo aos deuses que concedam tudo o que desejo a vós e a esta terra. Foi aqui que encontrei honra aos deuses, espírito de justiça e lábios que não mentem. Com estas palavras, retribuo o que tenho, pelo que tenho por vós e por nenhum outro homem. Estendei vossa mão direita, ó rei, para que eu possa tocá-la e, se for lícito, beijar vossa face. (T) O que estou dizendo? Como posso desejar que vós tocásseis alguém em quem o pecado fez sua morada? Não. Somente elas podem partilhar este fardo. Receba minha saudação onde estais.
TESEU: – Recebo tua saudação sem estranheza. A alegria em ter tuas filhas gerou em ti longa fala. E minha promessa a ti não careceu de nada. Aqui estou e aqui estão as donzelas, vivas e imunes a ameaças. Como a luta foi vencida, que necessidade tenho de me vangloriar? Mas, quando vim para cá, algo aconteceu. Aconselha-me, pois foi motivo de espanto e homem nenhum deve desdenhar o que esteja sob seu cuidado.
ÉDIPO: – O que é, filho de Egeu? Diga-me.
TESEU: – Um homem – dizem, não ser teu compatriota, mas teu parente – lançou-se suplicante, em nosso altar a Poseidon, quando eu prestava sacrifício.
ÉDIPO: – De que terra ele é? O que ele deseja pela súplica?
TESEU: – Sei apenas o que dizem. Que ele pede um breve contato contigo.
ÉDIPO: – Sobre o quê? Uma súplica a Poseidon não é matéria banal.
TESEU: – Dizem que ele pede apenas conversar contigo e voltar ileso de sua jornada até aqui.
ÉDIPO: – Quem pode ser?
TESEU: – Tens parente em Argos que careça de tua dádiva?
ÉDIPO: – Ah, meu bom amigo, não dizei mais nada!
TESEU: – O que te aflige?
ÉDIPO: – Não perguntai.
TESEU: – Não perguntar o quê?
ÉDIPO: – Eu sei quem é o suplicante.
TESEU: – Quem é? O que ele traz de erro?
ÉDIPO: – É meu filho, meu odiado filho, cujas palavras fariam doer meus ouvidos como as de nenhum outro homem.
TESEU: – O quê? Não podes ouvi-lo sem fazer o que não queres? Por que doeria ouvi-lo?
ÉDIPO: – Rei Teseu, aquela voz se tornou odiosa para mim. Não me constranja.
TESEU: – Pense: ele suplicar a Poseidon não te constrange? Pense: tens um dever a Poseidon?
ANTÍGONA: – Pai, sei que sou jovem para dar conselhos, mas permita que o rei satisfaça seu próprio coração e satisfaça Poseidon. E, pelo bem de tua filha, permita que nosso irmão venha. Ele não conseguirá mudar vossa decisão com palavras. Ouvi-lo falar, que mal pode haver nisso? Mesmo que ele vos ofendesse com o mais hediondo dos erros, não é lícito devolver um erro com outro. Permita que ele venha. Pensai no passado, não no presente. Pensai em tudo o que suportastes por vosso pai e vossa mãe. Pensai nestas questões e percebereis que um mal convida outro mal.
ÉDIPO: – Minha filha, é doloroso, mas tu me vences com tua súplica. Que seja como queres. Mas, bom rei, não permita que esse homem sequestre nenhum de nós!
TESEU: – Tais palavras não são necessárias, bom velho. Tenha a certeza de que tuas vidas estão a salvo, enquanto houver um deus que salve a minha.
Sai TESEU.
CORO: – Quem? – Quem? – Quem deseja vida longa? – Não te contentas com vida breve? – Eu vejo. – Eu percebo. – Eu sei. – Eu afirmo. – Com fala clara. – Quem deseja vida longa contempla trevas.
Vida longa contém tristezas, mais do que alegrias. E as alegrias, tu não as reconhecerás. Tua vida se prolonga além do apropriado? O Condutor Supremo vem, justo quando a sentença de Hades é revelada. Sem música de casamento nem toque de lira nem movimento de dança. Apenas morte.
Bom é morrer logo depois de ter nascido. – Melhor é nunca nascer. – Ou a juventude vem e vai. – Se esvai. – E vem dor. – Sofrimento. – Inveja. – Ira. – Fúria. – Revolta. – Vem a velhice. (T) – A velhice se apropria de ti. – Te faz enfermo. – Te torna desprezível. – Te põe sem amigos. – Te transforma num transtorno. – Num estorvo. – Um infortúnio. – Uma inutilidade. – Nulidade. – Nada.
Um tempo.
ANTÍGONA: – (quebra o silêncio) Ali! Um estrangeiro! Vejo o estrangeiro! Ele vem para cá! Ele vem só. Lágrimas correm de seus olhos.
ÉDIPO: – Quem é?
ANTÍGONA: – O mesmo que estava em nossos pensamentos: Polinices.
Entra POLINICES.
POLINICES: – Sim, Polinices sou eu. O que devo fazer, minhas irmãs? Devo prantear minhas dores ou as de meu pai? Meu velho pai, que encontro neste desterro, vestido em andrajos, imundo, esquálido, os olhos cegos, o cabelo emaranhado a voar ao léu.
E eu, infeliz, só agora – é tarde demais… -, só agora, eu soube disto. Sei, eu sei que sou o mais vil dos homens por não cuidar do senhor. Dos meus próprios lábios, ouça: sou o mais vil dos homens. Mas, como Zeus compartilha seu trono com a Misericórdia, permita que ela se sente ao vosso lado. Meus erros podem ser sanados, meu pai; meus erros não devem ser agravados.
Um tempo.
POLINICES: – Pai? Pai! Meu pai! Por que estais em silêncio? Não respondeis? Quereis me afastar? Meu pai, não vos afasteis de mim! Permanecereis mudo? Estais irado? Direis por quê? Recusareis dizer por quê?
E vós, minhas irmãs, tentem, ao menos tentem demover o silêncio de nosso pai. Não permitam que ele me afaste, desonrado. Sou um suplicante do deus de Colonus e, mesmo assim, nosso pai me afasta sem dizer palavra!
ANTÍGONA: – Meu desafortunado irmão, diz, tu mesmo, o que vieste buscar. O fluxo das tuas palavras talvez suscitem ternura ou ira e, assim, talvez deem voz à mudez de nosso pai.
POLINICES: – Bom conselho, minha irmã. Falarei francamente. Primeiro, rogo a ajuda de Poseidon, em cujo altar o rei desta terra me incitou a vir aqui, para falar, ouvir e seguir ileso meu caminho. Rogo a vós, estrangeiros, que estas promessas sejam honradas. Agora, meu pai, vou dizer por que vim.
Fui expulso da minha terra, porque, sendo primogênito, reivindiquei o trono. Meu irmão Etéocles, mesmo sendo mais jovem, me expulsou. Ele não me venceu com argumentos nem com armas; ele persuadiu a cidade. A causa disto é a maldição de nossa casa – também sei ouvir os oráculos. Fui para Argos, tomei a filha de Adrastus como esposa, reuni os famosos guerreiros do Peloponeso e, com eles, formei um exército de lanceiros. Vou morrer por causa justa ou expulsar de Tebas os que erraram. Por que estou aqui, meu pai? Para suplicar por vosso apoio ao exército de Argos contra Tebas. Se oráculos são dignos de crédito, eles vaticinaram que a vitória vai estar com quem o senhor apoie. Meu irmão me expulsou de terra que é minha. Suplico, meu pai, que recolhais vossa ira contra mim, enquanto puno meu irmão.
Vós e eu somos iguais. Somos exilados e pedintes. Enquanto ele, rei da nossa casa, zomba de vós e de mim. Junte vossa vontade à minha. Se o senhor me apoiar, espalharei vossa força aos ventos. Sem vós, tombarei morto.
CORO: – Honre aquele que enviou teu filho até aqui. Fala, Édipo. Fala o que te parece bem.
ÉDIPO: – Meus amigos, guardiões desta terra, não fosse Rei Teseu quem enviou este homem aqui, ele jamais ouviria minha voz. Ele será agraciado com isso, mas minhas palavras jamais agraciarão sua vida.
Polinices, tu és homem sórdido. Quando tinhas o cetro e o trono, que agora teu irmão tem, tu arrastaste teu próprio pai ao desterro e me tornou um ser sem cidade, um errante andrajoso. Agora que chegaste à mesma miséria que eu, tu choras ao ver o fardo que carrego. A hora do choro já se foi. Agora, vejo em ti um sórdido. Foste tu que me expulsaste, foste tu quem me pôs a vagar no desterro, a mendigar pão em desespero, foste tu que trouxeste tormento aos meus dias. Se estas filhas não tivessem nascido, eu estaria morto. Tu e teu irmão não são filhos meus.
Os olhos do destino olham para ti. Tu jamais conseguirás conquistar Tebas. Ali, tu cairás, banhado em sangue, teu e de teu irmão. Tais são as maldições que lanço aos dois. Que sejam punidos por desprezar um pai que, cego de alma, gerou filhos sórdidos. Sim, devolvo com maldições tua súplica ao “teu” trono.
Agora, vai, sai, some daqui. Amaldiçoado e sem pai. Vai e leva contigo as maldições que invoco: que o Deus Destruidor inocule ódio em ti e em teu irmão; que as trevas de Tártaro te conduzam a outro lar. Sai, vai, some da vida!
CORO: – Polinices, o teu passado não nos traz alegria. Siga, já, a tua jornada.
POLINICES: – Minha jornada… Minha esperança… Meus… Que fim terá o exército saído de Argos? Que fim… Não posso fazê-los voltar. Devo seguir, em silêncio, ao encontro do meu destino.
Minhas irmãs, ouvistes as duras palavras de nosso pai. Se as maldições deste pai forem cumpridas, não me desonrem: concedam-me sepulcro digno e os devidos ritos.
ANTÍGONA: – Polinices, ouça-me!
POLINICES: – O que, minha querida irmã Antígona?
ANTÍGONA: – Não destruas a ti e a Tebas. Conduze teu exército de volta para Argos.
POLINICES: – Não é possível. Como posso seguir liderando um exército, se me mostro pálido?
ANTÍGONA: – Por que seguir com essa ira? Que vitória existe em destruir tua cidade natal?
POLINICES: – Por vergonha de ser um exilado que, sendo primogênito, é apequenado por irmão mais moço.
ANTÍGONA: – Não vês? Assim, invocas o cumprimento das maldições de nosso pai! Meus dois irmãos vão morrer!
POLINICES: – É o que ele deseja. Mas não vou recuar.
ANTÍGONA: – Infeliz! Quem, sabedor das maldições de nosso pai, ousará acompanhar-te?
POLINICES: – Eles não vão saber; eu não vou relatar. Um bom líder relata as boas notícias; as más, não.
ANTÍGONA: – Tua decisão está tomada, meu irmão?
POLINICES: – Está. E não me detenhas. Vou seguir meu caminho, debaixo das maldições de meu pai e de suas Fúrias. Minhas irmãs, que Zeus torne brilhantes vossos caminhos, se cumprirem meus desejos, quando eu estiver morto. Adeus. Nunca mais me vereis vivo.
ANTÍGONA: – Ahhh!
POLINICES: – Não, não chora por mim.
ANTÍGONA: – E quem não choraria por ti, um irmão que mergulha na morte anunciada?
POLINICES: – Se assim quer o destino, assim será.
ANTÍGONA: – Não, não! Ouça minha súplica!
POLINICES: – Não supliques em vão.
ANTÍGONA: – O que será de mim se te perder!?
POLINICES: – Os deuses traçam nossos caminhos. E eu rogo aos deuses que jamais tracem o caminho do sofrimento para minhas irmãs.
POLINICES sai.
CORO: – Ouça. Perceba. Entenda. Novos males vêm vindo para cá! O estrangeiro cego traz pesada condenação. A menos que, talvez, quiçá, por acaso, o destino encontre outro caminho. Não, não é nosso o dizer. Decreto do destino não é vão, não. O tempo, sim. Vigilante dos decretos é o tempo. Que derruba este destino. Ou aqueloutro. E, no dia seguinte, ergue este. Ou o outro.
Um tempo e um trovão é ouvido.
CORO: – Ouço. Ouça. Ouçamos o som do céu. Shhh… Deus, Zeus, sede nosso protetor!
ÉDIPO: – Minhas filhas! Se houver alguém para ir, que vá e traga o soberano Teseu!
ANTÍGONA: – Qual o objetivo de vossa convocação, meu pai?
ÉDIPO: – Este trovão de Zeus, ele me chama para o Hades. Vá, envie alguém, já.
Ouve-se um segundo trovão.
CORO: – Ouvis? Ouvistes? Foi estrondo mais alto! Indizível! Inefável! Inenarrável! Arremessado por Zeus! Meus cabelos se eriçam! De medo! De pavor! De pânico! Minha alma dói. Minh’alma pesa. Cai.
Um relâmpago seguido de trovão e blackout.
CORO: – Ah… De novo. O trovão. O relâmpago. O céu escuro. O que anuncia? Medo. Pavor. Pânico. Nunca. Jamais. Em vão. Ele vem. Céu! Terrível céu! Deus! Zeus!
Fim do blackout.
ÉDIPO: – Filhas, não posso mais fugir do destino. O fim de vosso pai chegou.
ANTÍGONA: – Como sabeis? Que sinal vos disse tal coisa?
ÉDIPO: – Eu sei. Que vá alguém, já. Que traga para cá o soberano desta cidade.
CORO: – Sabemos. Ouvimos o sinal. Percebemos o chamamento. A voz do trovão. Estamos envoltos, todos nós, na mesma voz! Na voz do trovão! Deus! Zeus! Sede misericordioso! Se trazeis tristeza a esta terra…/ Trazei misericórdia! Se demos ternura a homem amaldiçoado, não nos amaldiçoe por isto! Zeus! Zeus! Por vós clamamos nós!
ÉDIPO: – Rei Teseu está perto? Ele vai me ver ainda vivo? Ainda lúcido?
ANTÍGONA: – Que promessa tendes em mente?
ÉDIPO: – Seus benefícios, eu os retribuirei com os que prometi.
CORO: – Vinde, Rei Teseu, vinde! Se estais nos confins da clareira, a honrar Poseidon, vinde! Se estais santificando seu altar, vinde! Vinde daí! Digno sois vós aos olhos do estrangeiro. Digna é vossa cidade. Digno é vosso povo. Recebei justa retribuição pelos vossos benefícios. Depressa, rei, vinde. Vinde depressa! Rei!
Entra TESEU.
TESEU: – Por que retumba por toda a terra o clamor do meu povo e do nosso hóspede? Foram os trovões de Zeus, a causa? Todos os presságios ganham vida, quando Zeus arremete tempestade assim.
ÉDIPO: – Bem-vindo, Rei Teseu. Algum deus criou a boa sina desta vossa vinda.
TESEU: – O que aconteceu, filho de Laïo?
ÉDIPO: – Minha vida está no fim e quero cumprir as promessas que fiz a vós e a vossa cidade.
TESEU: – Com que sinais o destino anuncia teu fim?
ÉDIPO: – Os deuses e seus arautos lançaram sobre mim repetidos trovões e relâmpagos.
TESEU: – Tuas profecias se revelaram verdadeiras. Tua credibilidade é alta. O que deve ser feito?
ÉDIPO: – Filho de Egeu, agora, revelarei um tesouro para Atenas que nem o tempo conseguirá corroer. Agora, sem ajuda nem guia, mostrarei o lugar onde devo morrer. Mas jamais revelai onde estou sepultado, para que eu, melhor do que mil escudos, possa servir de defesa para vós, para vossa cidade, para sempre.
Seguindo os mistérios que minha fala não pode profanar, vós marcareis este lugar. Sozinho. Quando o fim da vossa vida chegar, revelai apenas a vosso sucessor, para que ele revele a seu sucessor e, assim, sucessivamente. Assim, esta cidade jamais será destruída pelos filhos do dragão, os tebanos. A convocação divina me compele.
Vamos. Minhas filhas, venham comigo. Não, não me toquem. Agora, sou eu quem vos guia. Sou eu quem vai encontrar o sepulcro sagrado. Por aqui! Por aqui me conduzem Hermes e Perséfone, a deusa dos mortos!
Luz! Luz! Outrora tu foste minha! Agora, meu corpo te sente pela última vez! Vou guardar o fim da minha vida junto a Hades, o mais verdadeiro dos amigos. Abençoados sejam vós e esta terra. Quando vossos dias forem abençoados, lembrem-se de mim.
ÉDIPO sai, com suas filhas, TESEU e assistentes.
CORO: – Ó, Hades, ó, Perséfone, ó Senhor da Noite, ó, Deusa Invisível, a vós oramos. A vós, rogamos. Muitas dores se abateram sobre o estrangeiro. Agora, rogamos que ele passe, sem dor, sofrimento ou lamento, ao país dos mortos.
Ó, Cérbero, terrível cão, indomável vigilante dos mortos, abra caminho ao estrangeiro! A vós, provedores do sono eterno, assim clamamos nós. Que Édipo passe, daqui para aí, sem dor, sofrimento ou lamento. Agora.
[Nota do tradutor. Como se vê, aqui ocorre uma disparidade entre o tempo da história e o tempo da narrativa: os eventos narrados pelo Mensageiro, a seguir, demandam um tempo maior do que o tempo que o Coro leva para proferir sua fala, acima. Optei por rubricar blackout.]
Um tempo em blackout.
Entra o MENSAGEIRO.
MENSAGEIRO: – Homens de Colonus! Édipo se foi. (Fim do blackout.) O acontecido, ali, não foi pouco nem pequeno. Não pode ser narrado em poucas palavras.
CORO: – O estrangeiro se foi?
MENSAGEIRO: – Sim. Édipo saiu da vida.
CORO: – Como saiu? Foi desgraça lançada por um deus? Foi passagem sem dor?
MENSAGEIRO: – Neste momento, entramos no terreno do maravilhoso. Vós vistes o cego sair daqui sem que pessoa alguma lhe mostrasse o caminho. Mais do que isto, Édipo mostrou o caminho às pessoas. Quando chegou ao limiar do terreno, ele parou frente à encruzilhada, na qual está a lápide do pacto de amizade entre Rei Teseu e Pirítoo. Édipo parou entre uma bacia e a lápide, tirou suas roupas imundas, chamou suas filhas e pediu que trouxessem água, para se lavar e fazer libação. Elas assim procederam: lavaram e vestiram o pai.
Édipo terminou de fazer a libação e logo desabou o trovão de Zeus. As donzelas se agarraram aos joelhos do pai e choraram. Quando Édipo ouviu aquele choro amargo, ele as abraçou e disse: – Minhas filhas, hoje, a vida de vosso pai acaba. Agora, não mais carregareis o pesado fardo de cuidar de mim. Mas uma palavra torna nada este fardo todo: amor. Até hoje, ninguém nesta terra as amou mais do que eu. De hoje em diante, não estarei mais convosco.
Abraçados, pai e filhas soluçaram e choraram. Quando soluço e choro cessaram, houve silêncio. Um longo silêncio. Súbito, uma voz retumbou, alto: – Édipo, por que tardas tanto?
Quando percebeu que era chamado, Édipo pediu a Rei Teseu que se aproximasse e disse: – Meu amigo, rogo por vosso penhor a minhas filhas e, minhas filhas, rogo pelo mesmo penhor a ele. Rei Teseu, rogo que jamais as abandone e que sempre traga o bem a elas. E Rei Teseu fez que sim.
Rápido, as mãos cegas de Édipo tocaram as donzelas e ele disse: – Minhas filhas, saiam deste lugar. Depressa. Rei Teseu, que apenas vós sejais testemunha do que vai acontecer.
Assim falou Édipo, assim nós ouvimos. Envoltos em lágrimas, seguimos as donzelas. Pouco tempo depois, muito pouco tempo depois, olhamos para trás e Édipo não estava mais ali. Rei Teseu, sozinho, cobria seu rosto com as mãos, como se protegesse de visão terrível. E vimos o rei, numa prece, saudar a terra e o ar dos deuses.
Como Édipo saiu da vida? Apenas Rei Teseu pode narrar. Édipo não foi fulminado por raio algum, não foi tragado por tempestade nenhuma. Talvez ele tenha sido levado por mensageiro dos deuses, talvez o mundo dos mortos tenha se aberto para ele. O que sei: a morte de Édipo foi sem dor, sofrimento ou lamento. A morte de Édipo foi maravilhosa.
CORO: – E as donzelas? E sua escolta? Onde estão?
MENSAGEIRO: – Quase aqui. Ouço sons de choro. Elas estão aqui.
Entram ANTÍGONA, ISMÊNIA e escolta.
ANTÍGONA: – Aqui tendes duas irmãs desventuradas, a prantear a maldição do sangue do nosso pai…
ISMÊNIA: – … que corre em nossas veias.
ANTÍGONA: – Enquanto nosso pai viveu, suportamos dor…
ISMÊNIA: – … longa, incessante.
ANTÍGONA: – Agora, tudo cessado, aparição e desaparição turvam nosso pensamento.
CORO: – Como é pensamento turvado?
ANTÍGONA: – É pensamento tornado dúvida.
CORO: – Ele se foi?
ANTÍGONA: – Sim, ele se foi.
ISMÊNIA: – E da maneira como todos gostaríamos de ir.
ANTÍGONA: – A morte o levou. Não foi tombado em guerra, nem foi tragado pelo mar.
ISMÊNIA: – Foi engolido pelos campos invisíveis.
ANTÍGONA: – Ah, minha irmã, a noite da morte cobre nossos olhos. Que mares devemos atravessar? Que terras devemos percorrer? Que lugar irá nos acolher?
ISMÊNIA: – Não sei, Antígona. Não sei se consigo viver.
CORO: – Não! Não queimem com mais dor as dores que o céu atira sobre vós!
ANTÍGONA: – Existe dor na perda de dor. Existia dor, quando eu levava meu pai em meus braços. Agora, eu…/ Agora, nós sofremos a dor de termos perdido a dor de ter nosso pai.
CORO: – Ele se foi…/
ANTÍGONA: – Ele se foi como queria ir.
CORO: – Como assim?
ANTÍGONA: – Ele se foi em solo de sua escolha. Na sombra do seu sepulcro, ele tem seu leito eterno. Atrás de si, ele levou o rio das nossas lágrimas. Meu pai, nós…/ Ah, não sei, não sei…
CORO: – Parem, parem com este choro! Vosso pai encontrou um fim abençoado.
ISMÊNIA: – Que novo destino nos espera, minha irmã?
ANTÍGONA: – Não sei, não sei…
CORO: – Meninas, afastem-se do medo.
ANTÍGONA: – Para onde devo me afastar?
CORO: – Para onde nenhum dano irá tocá-las.
ANTÍGONA: – Não sei onde é.
CORO: – Aqui. Fiquem aqui.
ANTÍGONA: – Aqui, nos afogamos em sofrimento.
CORO: – Sim, vasto é o mar dos vossos sofrimentos.
ANTÍGONA: – Zeus! Diga onde, diga para onde o destino nos impele?
Entra TESEU.
TESEU: – Parem de chorar, donzelas. Não cabe haver choro quando o poder das trevas acolheu vosso pai, sem dor, sofrimento ou lamento. Parem de chorar ou a ira divina descerá sobre vós.
ANTÍGONA: – Filho de Egeu, nós suplicamos para ver, com nossos próprios olhos, o túmulo de nosso pai.
TESEU: – Não. Não é lícito.
ANTÍGONA: – Por que, senhor rei de Atenas?
TESEU: – Porque vosso pai me fez prometer que ninguém se aproximaria do lugar em que ele dorme. E minha promessa foi ouvida por Zeus.
ANTÍGONA: – Sim… Sei… Se é do agrado dos mortos, devemos nos conformar.
ISMÊNIA – Sendo assim, envie-nos a Tebas. A ver se conseguimos impedir que nossos irmãos se dilacerem um ao outro.
TESEU: – Assim farei.
CORO: – Cessemos os lamentos. Sequemos as lágrimas. Tudo está certo.
Atrás de TESEU, saem todos.
FIM
Comentários Recentes