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14
Jun
13

OH, DEUS! – de Woody Allen.

 

Oh, Deus!

comédia em um ato

de Woody Allen.

 

 

Tradução e Adaptação

de Flávio de Campos.

 

 

@ by Woody Allen.
Ed.: Samuel French, Inc.
45 West 25th. Street – New York 10.010.

Personagens (mais de um por ator):

– Ator.
– Escritor.
– Garota.
– Francilene Mesquita.
– Empregada.
– Triquiníases.
– O Ponto.
– Bursite.
– Homem (na platéia).
– Bárbaro Heliodoro.
– Mulher Esfaqueada.
– Blanche DuBois.
– Diabete.
– Fidípides (Escravo representado por Diabete).
– Outro Escravo Grego.
– Mestre / Senhor de Escravos (?).
– Bob.
– Wendy.
– Guarda.
– Mulher (no palco).
– Rei.
– Médico.
– Carteiro.
– Stanley / Cristiano (?).
– Outro Homem (na platéia).
– Outra Mulher (na platéia).
– Coro Grego.
– Deus (papel sem fala).
– Groucho Marx (papel sem fala).
– Empregada do Woody Allen (Voz ao telefone).
– Woody Allen (Voz ao telefone).
– Amigo.
– Patrão.

(SÓ A S.B.A.T. AUTORIZA MONTAGENS.)

CENA: ATENAS. APROXIMADAMENTE 500 AC. PÔR DO SOL. NO CENTRO DE UM ENORME ANFITEATRO VAZIO, DOIS GREGOS MUITO AGITADOS. UM É O ATOR; O OUTRO, O ESCRITOR. ESTÃO DISTRAÍDOS, PENSANDO. DEVEM SER INTERPRETADOS POR DOIS BONS ATORES CÔMICOS DE TEATRO DE REVISTA.

Ator: Nada… absolutamente nada…
Escritor: O quê?
Ator: Sem sentido. Vazia.
Escritor: É o fim da picada.
Ator: É claro. Que que a gente está discutindo? A gente está discutindo o fim.
Escritor: Estamos sempre discutindo o fim.
Ator: É porque não dá pé.
Escritor: Reconheço que esteja pouco satisfatório.
Ator: Pouco satisfatório? Está um cocô! O truque é começar a peça pelo fim. Imagina um final bem forte e depois escreve de trás pra frente.
Escritor: Já tentei isso… Acabei com uma peça sem começo.
Ator: É um absurdo!
Escritor: Absurdo? O que que é absurdo?…
Ator: Toda peça tem que ter começo, meio e fim!
Escritor: Por quê?
Ator: (CONFIDENCIA) Porque, como manda o Aristóteles, na natureza tudo tem começo, meio e fim.
Escritor: E o círculo?
Ator: (PENSA, ANDA EM CÍRCULO) Tá legal. O círculo não tem nem começo, nem meio, nem fim – mas qual é a graça?
Escritor: Ô, Diabete… pensa num fim… Estreamos daqui a três dias.
Ator: Eu não. Eu não vou entrar nessa roubada. Tenho um nome a zelar. Meus fãs não iam gostar de me ver numa peça que não estivesse à minha altura.
Escritor: Por ventura serei forçado a lembrá–lo de que você é um ator duro, desempregado, a quem eu generosamente consenti que trabalhasse na minha peça para tentar retomar uma carreira?
Ator: “Ator duro”, por enquanto. “Desempregado”, por enquanto. “Retomar carreira”, por enquanto. Mas bêbado, não!
Escritor: Eu não disse que você era bêbado.
Ator: Pois é, mas eu sou… Também…
Escritor: (NUM SÚBITO ATAQUE DE INSPIRAÇÃO) E se o personagem tirasse uma adaga do cinto e, do alto do seu sofrimento, esfaqueasse os próprios olhos até se cegar?
Ator: É, grande idéia! (PAUSA) Cê tá legal?
Escritor: Gostou da idéia?
Ator: Uma babaquice. A platéia vai olhar e…
Escritor: Eu sei: vai emitir aqueles sons…
Ator: Uuuhhh… Chama “vaia”.
Escritor: Ah… mas eu queria… eu queria muito que a minha peça tirasse o 1o. prêmio… Antes que a minha vida se acabe… Nem é tanto pelo dinheiro, sabe? É pela gloria.
Ator: (SUBITAMENTE INSPIRADO) E se o rei, de repente, mudasse de idéia?
Escritor: Ele nunca ia fazer isso.
Ator: (INSISTE) E se a rainha convencesse ele?…
Escritor: Nem pensar. Ela é uma filha da puta.
Ator: E se o exército troiano se rendesse?…
Escritor: Vão lutar até a morte.
Ator: E se o Agamenon quebrasse o juramento?…
Escritor: Não faz o gênero dele.
Ator: Mas eu podia pegar a espada dele e botar pra quebrar!
Escritor: Vai contra o seu personagem. Ele é um covarde, um escravo insignificante, com inteligência de minhoca. Escolhi você a dedo.
Ator: Acabei de dar seis, seis sugestões pro final!
Escritor: Cada uma mais idiota do que a outra.
Ator: A peça é que é idiota!
Escritor: As pessoas não são assim. A natureza delas não é assim.
Ator: O que que natureza tem a ver com isso? Nós, nós é que não temos um final.
Escritor: Se o homem é um animal racional, eu, como dramaturgo, não posso obrigar um personagem a fazer no palco o que ele não faria na vida real.
Ator: Você esquece que nós não existimos na vida real?
Escritor: O que que você quer dizer com isso?
Ator: O dramaturgo aí ainda não sacou que é personagem de uma peça que está sendo encenada neste momento no Rio de Janeiro? (T) Não, não fica brabo comigo. Não fui eu que escrevi.
Escritor: Somos personagens de uma peça e muito em breve estaremos vendo a minha peça… que é uma peça dentro de uma peça. E eles estão nos assistindo.
Ator: Metafísico a pampa, né não?
Escritor: Metafísico e bobo…
Ator: (INDICA A PLATÉIA) Você queria estar lá?
Escritor: (OLHANDO PARA A PLATÉIA) De jeito nenhum! Olha só para eles!
Ator: Então vamos continuar.
Escritor: (RESMUNGA) Eles pagaram para ver…
Ator: Ô Hepatite, tô falando com você!
Escritor: Já sei. O problema é o final.
Ator: É sempre o final.
Escritor: (DE REPENTE, PARA A PLATÉIA) Vocês tem alguma sugestão, aí?
Ator: Pára de conversar com a platéia! Ai, por que que eu fui falar neles?
Escritor: Gozado, não é? Nós somos dois velhos gregos em Atenas e vamos montar uma peça que eu escrevi e na qual você trabalha, e essa gente toda aí veio do Méier ou sei lá de onde para nos ver atuando na peça de alguém. E se eles também forem personagens numa outra peça? E se também estiverem sendo vistos por alguém? E se nada disso existir? Se a gente for só o sonho de alguém? Ou – pior ainda – e se só existir aquele gordo ali da terceira fila?
Ator: É isso que eu estou querendo dizer. E se o universo não for racional e as pessoas não tiverem nem origem nem rumo nem destino nem nada? A gente podia mudar o final e mandar as regras pras picas. Morou?
Escritor: Não. (PARA A PLATÉIA) Vocês estão entendendo o meu drama? Ele é ator… Vive a beber pelos bares…
Ator: Personagem não precisava ter perfil, cada um podia ser como quisesse. E eu não precisava ser o escravo só porque você escreveu que eu era. Eu podia ser o herói, numa boa.
Escritor: Mas aí não tem peça.
Ator: Não tem peça? Legal, vou beber pelos bares!
Escritor: Diabete, o que você está propondo é o caos!
Ator: Liberdade é caos?
Escritor: Se liberdade é caos? Humm… Essa é difÍcil. (PARA A PLATÉIA) A liberdade é o caos? Alguém aí fez Filosofia?
Franci: (DA PLATÉIA) Eu!
Escritor: “Eu” quem?
Franci: Bom, o que eu fiz mesmo foi Comunicação. Mas eu me amarro em Filosofia.
Escritor: Você pode vir até aqui?
Ator: Que que cê tá fazendo, cara?
Franci: Tem problema? Foi pela Gama Filho…
Escritor: Gama Filho? Não, “a gente transa tudo numa boa”.
ELA SOBE AO PALCO.
Ator: Era só o que faltava!
Escritor: Que que você tem?
Ator: A gente tá no meio de uma peça, cara! Quem é ela?
Escritor: Daqui a cinco minutos começa o Festival de Teatro de Atenas e eu ainda não tenho um final para a minha peça!
Ator: E daí?
Escritor: E daí que foram levantadas algumas das mais sérias questões filosóficas. Nós existimos? (INDICA A PLATÉIA) Eles existem? Qual é a essência da natureza humana?
Franci: Bom, o meu nome é Francilene Mesquita.
Escritor: Eu sou o Hepatite e esse aqui é o Diabete. Somos da Grécia Antiga.
Franci: E eu sou de Vaz Lobo.
Ator: Chuta ela desse palco!
Escritor: (OLHANDO–A DE ALTO A BAIXO) Gostosa pra caralho!
Ator: E daí?
Franci: A questão filosófica fundamental é a seguinte: se uma árvore desaba no meio da floresta e não tem ninguém por perto pra… para ouvi–la desabar, de que maneira podemos nos asseverar de que ela fez barulho?
OS TRÊS SE OLHAM, TENTAM ACHAR RESPOSTA NO AR. UM TEMPO E:
Ator: Que que o cu tem a ver com as calças, minha filha? Isso aqui é teatro… teatro comercial!
Escritor: (PARA FRANCILENE) Cê tá a fim de trepar comigo?
Ator: Ô, cara! Deixa a garota em paz!
Franci: (PARA O ATOR) Por que que você não fica na tua, hem?
Escritor: Isso mesmo! (FALA PARA OS BASTIDORES) Os senhores poderiam baixar a cortina, por gentileza? Eu não levo nem cinco minutos! (PARA A PLATÉIA) Os senhores esperem aí, combinado? Eu vou só dar um picirico rapidinho.
Ator: Isso é uma indecência! É o fim da picada…
Escritor: Isso é o começo da picada!
Ator: (MEDITA) Cê não tem uma amiga, não?
Franci: Tenho. (PARA ALGUÉM NA PLATÉIA) Waldilene, ô Waldilene. Cê não quer dar um pulinho aqui, não? Descolei uns gregos… (NINGUÉM RESPONDE) Ela é tímida…
Ator: O negócio é o seguinte: a gente tem uma peça pra representar. Vou ter que denunciar isso ao Autor.
Escritor: EU sou o autor!
Ator: Estou falando do autor original.
Escritor: (BAIXO) Diabete, eu vou afogar o meu ganso…
Ator: Como “afogar o ganso”? Você quer dizer “relações sexuais”? Com essa gente toda olhando?
Escritor: Mandei baixar a cortina. Além disso, eles também fazem essas coisas. Quer dizer, alguns…
Ator: Mané, babaca, otário: você é um personagem de ficção e ela é metodista e veio do subúrbio! Já imaginou os filhos que vão sair desse… picirico?
Escritor: Não empata. Sai um metodista de ficção, tudo bem. Quem sabe a gente arrasta a amiga dela para cá. (ATOR VAI À ESQUERDA DO PALCO USAR O TELEFONE) Waldilene? Esta é a sua oportunidade de transar com o (… O NOME DO ATOR). Ele é um astro… já trabalhou na Globo…
Ator: (AO TELEFONE) Me dá uma linha pra fora.
Franci: Não quero criar nenhum problema…
Escritor: Problema nenhum. É que nós tinhamos perdido o contato com a realidade.
Franci: E quem sabe realmente o que é a realidade?
Escritor: Você tem toda razão, Francilene…
Franci: (FILOSOFICAMENTE) Quantas e quantas vezes as pessoas se iludem com o que imaginam ser a realidade – e tudo não passa de mera quimera…
Escritor: Sei… Mas eu estou cheio de tesão por você e isso é real.
Franci: Sexo é real?
Escritor: Mesmo que não seja, é uma das “quimeras” mais gostosas da vida. (ELE A AGARRA, MAS ELA SE DESVENCILHA)
Franci: Não! Aqui não!
Escritor: Por que não?
Franci: Não sei. Sei lá… Era a minha fala…
Escritor: Você já transou com personagem de ficção?
Franci: Não. Mas já transei com argentino, o que é quase.
Ator: (FALA AO TELEFONE. OUVIMOS A VOZ DO OUTRO LADO DA LINHA, ATRAVÉS DE UM FILTRO) Alô?
Empregada: (OFF) Residência do Doutor Woody Allen.
Ator: Posso falar com ele?
Empreg.: (OFF) Quem deseja?…
Ator: Aqui é um personagem dele.
Empreg.: (OfF) Momentinho. Doutor Woody, tem um tal de personagem aqui no telefone.
Ator: (PARA OS OUTROS) Agora é que eu quero ver, rapeize!
Woody: (OFF) Alô.
Ator: É o Woody Allen?
Woody: (OFF) Sim.
Ator: Aqui quem fala é o Diabete.
Woody: (OFF) Quem?
Ator: Diabete. Um personagem seu.
Woody: (OFF) Ah, sei… Estou me lembrando… Você é um personagem muito mal realizado… muito unidimen-sional…
Ator: Obrigado.
Woody: (OFF) Ei! Você não devia estar em cena, neste momento?
Ator: É por isso que eu estou telefonando. Tem uma garota esquisita aqui no palco…
Woody: Tira ela daí!
Ator: Ela não quer sair…
Woody: E o Hepatite?
Ator: O Hepatite está parado na dela.
Woody: (OFF) Sei… E ela, que tal?
Ator: Bonita, mas não tem nada a ver.
Woody: (OFF) Loura?
Ator: Morena… cabelo comprido…
Woody: (OFF) Pernas bonitas?
Ator: São…
Woody: (OFF) Peitos bonitos?
Ator: São…
Woody: (OFF) Não deixa ela ir embora: eu tou indo praí.
Ator: Ela estuda Filosofia. Mas não sabe nada… cultura de botequim…
Woody: (OFF) Gozado, eu usei essa mesma fala em “Sonhos de um Sedutor”, pra descrever uma garota…
Ator: Aqui a platéia não riu…
Woody: (OFF) Põe ela na linha.
Ator: A garota? No telefone?
Woody: (OFF) É! É!
Ator: (PARA FRANCILENE) Pra você…
Franci: (SUSSURRA) Já vi ele no cinema. Ele é muito feio. Não tou a fim não…
Ator: Ele é o autor da peça!
Franci: É um pretensioso!
Ator: (AO TELEFONE) Ela não quer falar com você, não. Disse que a sua peça é pretensiosa.
Woody: (OFF) Ai meu saco! Paciência. Me liga depois e me conta como é que a peça terminou.
Ator: Está bem.
DESLIGA E DEPOIS SE DÁ CONTA DO QUE ACABOU DE ESCUTAR.
Ator: “… como é que terminou”?…
Franci: Posso trabalhar nessa peça?
Ator: Você…? Eu não estou entendendo. Você é uma atriz ou uma garota representando uma atriz?
Franci: Eu sempre quis ser atriz. Mamãe queria que eu fosse normalista. Papai queria que eu desse o golpe do baú.
Ator: E você acabou como?
Franci: Numa butique ali no Barrashopping, vendendo imitação legítima de tênis Reebok, perfume Calvin Klein, essas coisas…
ENTRA TRIQUINÍASES, UM GREGO CABOTINO, E SEU ESCRAVO BURSITE, TODO ESMOLAMBADO.
Triq.: Diabete, Hepatite! Sou eu, Triquiníases. (IMPROVISAM CUMPRIMENTOS) Venho de ter uma altercação com Socrates, na Acrópole. Provou–me ele que não existo eu. Quase faleço. (T) Corre à sorrelfa que lhe falta um final para a peça. Creio possuir o de que você carece.
Escritor: É mesmo?
Triq.: Quem é ela?
Escritor: Francilene Mesquita.
Triq.: Uma que veio de Vaz Lobo?
Franci: Em carne e osso…
Triq.: Você conhece o professor Sepúlveda, da Biblioteca Pública?
Franci: Sepúlveda Gasparroto?
Triq.: (FAZ QUE SIM) Trabalhamos juntos no estabelecimen-to da obra de Píndaro. Ah, que poeta! Ah, que metáforas audazes! que estilo majestático! Ah, que pujança narrativa!…
Franci: Ah, como esse mundo é pequeno, não é mesmo?…
Triq.: (SUSSURRA) Cê teve um caso com ele, não foi?
Franci: Bem que tentei, mas não deu…
Escritor: E o final da minha peça?
Triq.: (IGNORA O OUTRO) Sua beleza fulgura, aqui, muito mais estonteante do que lá, nos esforços da minha imaginação!
Franci: Acha mesmo, é?
Triq.: Aprazer–me–ia enlevá–la numa súbita cópula, agora e já!
Franci: Cê tá a fim de…
Triq.: (ARREBATANDO-A) … copular!…
Ator: Mais um…
Franci: Gente, eu tou com a bola cheia, hoje! (T) Por favor, solte-me, eu sou virgem. (T) A minha fala não é essa?
COM O TEXTO ABERTO NA MÃO, O PONTO SURGE NOS BASTIDORES; ELE USA SUÉTER E SUA MUITO.
Ponto: “Por favor, solte-me, eu sou virgem.” Isso mesmo. (SOME)
Escritor: E o final que você ia me arranjar?
Triq.: Hem? Ah, sim. (CHAMANDO) Rapazes, podem entrar!
ALGUNS GREGOS EMPURRAM UMA GERINGONCA ESQUISITA, SEMELHANTE A UM GUINDASTE.
Escritor: Que merda é essa?
Triq.: O final da sua peça.
Ator: Não saquei…
Triq.: Este objeto, fruto de baita labuta por longos seis meses na oficina de meu irmão, fa–lo–á… “sacar”.
Escritor: Como?
Triq.: Na cena derradeira, quando o escuro tudo recobre e Diabete, o humilde escravo, aproxima–se da perdição total…
Ator: Sim?
Triq.: Zeus, o Deus dos Deuses, Zeus descende, Zeus desce dramaticamente dos píncaros. E, brandindo os seus raios, Zeus traz a salvação para o grupo de mortais indefesos.
Franci: “Deus ex-machina”.
Triq.: Ouçam! “Deus ex-machina”. Excelente nome para este engenho! “Deus ex-machina”. Muito apropriado…
Franci: A Waldilene me ensinou. Ela estuda teatro na Uni-Rio.
Escritor: (PARA TRIQUINÍASES) Continuo sem entender.
Triq.: Espere, espere até ver a coisa funcionar. Ela fará Zeus voar pelos ares. (T) Vou faturar uma nota com essa invenção. (T) O Sófocles já encomendou uma – deu o sinal e tudo – e o Eurípides quer sete.
Escritor: Mas vai mudar todo o significado da peça!
Triq.: Espere, espere até ver a coisa funcionar. Bursite, aos arreios!
Bursite: Eu!?
Triq.: Aos a–rrei–os! (AO ESCRITOR) O senhor não crerá no que verá!
Bursite: Tou com medo!
Triq.: Ele não fala sério. (T) Anda, seu merda! A gente tá na boca de vender mais uma!
Bursite: Tenho pavor de altura!
Triq.: Bota a porra dos arreios! E depressa! Enfia… (T) recubra–se com esta roupagem de Zeus! Execute demonstração cabal!
ELE SAI COM BURSITE, QUE PROTESTA.
Bursite: Socorro!
UM TEMPO E O ESCRITOR RECUPERA A ATENÇÃO.
Escritor: Ele disse que… Deus aparece no fim e salva todo mundo…
Ator: Chocante! A platéia vai viajar!
Franci: Também acho. Vai parecer novela que fala do além.
Escritor: (MEIO “TEATRAL”) Mas, se Deus salva todo mundo, o homem deixa de ser responsável por seus atos!
Ator: E você ainda não sacou porque que não te convidam pras festas…
Franci: Mas, sem Deus, o universo não tem sentido! A vida não tem sentido! Nenhum de nós tem sentido! (LONGA PAUSA) Ai, que eu tou doida pra trepar!
Escritor: Agora eu é que não estou com vontade…
Franci: Ah, é? Então tá… (PARA A PLATÉIA) Hei, tem alguém aí na platéia a fim de me comer?
Ator: Pára com isso! (PARA A PLATÉIA) Ela está fazendo teatro, pessoal…
Escritor: Estou deprimido.
Ator: Ah… Que que cê tem?
Escritor: Não sei se acredito em Deus!
Franci: (PARA A PLATÉIA) Eu não tou fazendo teatro, não!
Ator: Se Deus não existe, quem criou o universo?
Escritor: E eu sei lá!
Ator: Como “eu sei lá”? E quando é que você vai saber?
Franci: Tem alguém aí a fim de me comer?
Homem: (LEVANTA–SE DA PLATÉIA) Eu aceito comer a moça, caso ninguém mais se habilite.
Franci: Ju–ura!
ATOR FAZ QUE DESISTE E SAI SORRATEIRAMENTE.
Homem: O que está ocorrendo com as pessoas de hoje em dia? Uma moça bonita, uma moça atraente como esta! Não há mais homens, não há homens na platéia! Cambada de intelectuais! Ecologistas! Brochas!
BÁRBARO HELIODORO SAI DOS BASTIDORES, VESTIDO COM ROUPAS DE HOJE.
Bárbaro: Senta! Sentado! Sentadinho!
Homem: Está bem, está bem…
Escritor: Quem é você?
Bárbaro: Bárbaro Heliodoro, crítico de teatro. Eu criei essa platéia.
Escritor: Como assim?
Bárbaro: Fui para o jornal e escrevi: “Centenas de pessoas assistiram à peça “DEUS!”, no teatro (NOME DO TEATRO)”… Olha elas aí!
Franci: (APONTANDO PARA A PLATÉIA) Quer dizer que… eles também não existem?… (BÁRBARO FAZ QUE NÃO) Eles não têm livre arbítrio?
Bárbaro: Pensam que tem…
MULHER, COM RAIVA, SE LEVANTA NA PLATÉIA.
Mulher: Eu existo!
Bárbaro: Me perdoe, madame, mas a senhora não existe…
Mulher: Eu existo!
Bárbaro: Não existe…
Mulher: Existo!
Bárbaro: Não existe…
Homem: (COM MUITA RAIVA) Eu vou te mostrar se existo ou não! Eu vou sair agora mesmo deste teatro, vou até a bilheteria e vou arrancar na marra o meu dinheiro de volta. Nunca assisti a peça tão cretina em toda a minha vida! Quando eu venho a um teatro, é para ver uma estória que me divirta, que me faça esquecer os problemas do dia a dia – uma peça com começo, meio e fim – e não essa merda! Boa noite! (SAI PISANDO FIRME)
Bárbaro: (PARA A PLATÉIA) Não é um personagem sensacional? Fi–lo furioso. Mais tarde, ele se sentirá culpado e meterá uma bala na cabeça. (OUVE–SE O SOM DE UM TIRO) Eu disse “mais tarde”!
Homem: (VOLTA COM UMA PISTOLA FUMEGANTE) Desculpe. Me suicidei antes da hora…
Bárbaro: Some daqui!
Homem: Tou lá em casa te esperando… (SAI)
Bárbaro: Ele pensa que me encabula… (PARA ALGUÉM NA PLATÉIA) Ah, você tá aí, é?…
BÁRBARO VAI ATÉ A PLATÉIA E SE DIRIGE A ESPECTADORES DE VERDADE.
Bárbaro: Como é que você se chama mesmo? Ah… sei… (IMPROVISA DE ACORDO COM A REAÇÃO DA PLATÉIA) O senhor é de onde? Ele não é uma graça? Grande personagem, a senhora. Preciso variar um pouco a roupa de vocês. Mês que vem, a senhora vai largar o seu marido pra viver com aquele cara ali. Eu sei, é dificil de acreditar, mas a vida tem dessas coisas… Ha! Você por aqui!? …
Escritor: Eu detesto ser personagem de ficção. Eu fico tão limitado…
Bárbaro: Só pelos limites do dramaturgo. Infelizmente vocês foram criados pelo Woody Allen. Se ainda fosse Shakespeare…
Escritor: Isso eu não tolero! Eu sou um homem livre e não preciso que Deus apareça voando para salvar a minha peça. Eu sou um bom escritor!
Franci: Você quer ganhar o Festival de Atenas, não quer?
Escritor: (SUBITAMENTE TEATRAL) Sim, quero! Quero tornar–me imortal – e, depois, morrer… Não quero morrer assim, sem quê nem porquê, e ser esquecido. Quero que a minha obra sobreviva muito depois de eu deixar este mundo. Quero que as futuras gerações saibam da minha existência! Por favor, não permitam que eu seja apenas um pingo no universo por toda e toda a eternidade! Minhas senhoras e meus senhores, ao receber este prêmio, eu gostaria de agradecer a papai e mamãe pelo estímulo que sempre…
Franci: Eu tou ca–gan–do pro que ele diz. Eu, pelo menos, existo.
Bárbaro: Nem tanto.
Franci: Ou melhor: eu penso, logo existo… Ou melhor ainda: eu SINTO. Eu tenho até orgasmo!
Bárbaro: Tem?
Franci: O tempo todo.
Bárbaro: No duro?
Franci: Principalmente.
Bárbaro: Não brinca!
Franci: Na maioria das vezes, pelo menos…
Bárbaro: É?
Franci: É! Com alguns homens…
Bárbaro: Difícil de acreditar…
Franci: Na metade das vezes, pelo menos…
Bárbaro: Essa não!
Franci: Bem… Nem sempre pelos canais competentes…
Bárbaro: Sei, sei…
Franci: É verdade que eu finjo, de vez em quando… A gente não deve magoar as pessoas, não é mesmo?
Bárbaro: Você já teve algum orgasmo de verdade?
Franci: De verdade, de verdade, nunca, eu não.
Bárbaro: É porque nenhum de nós aqui existe, de verdade.
Escritor: Mas se não existimos, também não morremos.
Bárbaro: De fato, de fato… A menos que o dramaturgo resolva nos matar.
Escritor: Mas por que ele ia fazer uma coisa dessa?
DOS BASTIDORES, ENTRA BLANCHE DUBOIS.
Blanche: Simplesmente, doçura, para satisfazer – como se chama, mesmo? – a sua sensibilidade estética.
TODOS SE VOLTAM PARA ELA.
Escritor: Quem é você?
Blanche: Eu sou Blanche, Blanche DuBois. Significa “a branca do bosque”. (ELA AVANÇA E NINGUÉM SE CURVA) Não, absolutamente, não se curvem, eu lhes imploro. Eu estou só de passagem…
Franci: Que que cê tá fazendo aqui?
Blanche: Procurando proteção. Sim – neste velho teatro… Ouvi – não era esta a minha intenção – mas ouvi o que estavam falando. (TOM) Cês tem aí uma coca incrementada com qualquer coisa?
ATOR RETORNA. NÃO TÍNHAMOS NOTADO QUE ELE SAÍRA.
Ator: Coca não tem. Serve um fuminho?
Escritor: Onde é que você foi?
Ator: Ao banheiro.
Escritor: No meio da peça?
Ator: Que peça, cara? (PARA BLANCHE) Explica pra ele como nós somos limitados.
Blanche: Temo que ele tenha razão, queridos. Desafortunada… mente. Foi por isso que mandei minha peça às favas e fugi. Fugi! Oh, não, o Tennessee Williams é um grande escritor, “Um Bonde Chamado Desejo” é uma peça genial. Mas ele me jogou no meio de um pesadelo. A última coisa que eu lembro é estar sendo levada por dois sujeitos, um deles com uma camisa de força. Quando me vi fora da casa do Kowalski, sai correndo, fugi. Agora preciso arranjar outra peça qualquer, de preferência uma que tenha Deus… algum lugar onde eu possa finalmente descansar… É por isso que vocês têm que me convidar para essa peça e deixar Zeus, o belo e jovem Zeus, triunfar com o seu raio!
Escritor: Cê também foi ao banheiro?
Triq.: (ENTRA) Prontos para a grande demonstração?
Blanche: Uma demonstração! Que beleza!
Triq.: (PARA OS BASTIDORES) Tudo pronto aí? Muito bem. (VOLTA–SE) É o final da peça. O escravo está liquidado… perdido e desesperado, fodido e mal pago. Aí ele vai e reza. Vai, reza aí, cara!
Ator: Oh, Zeus! Grande deus! Somos mortais. Perdidos e desesperados. Fodidos e mal pagos. Clamamos por vossa clemência, rogamos por nossa existência. (NADA ACONTECE) Grande Ze–us… O–O–O–O…. O Ze–uus…
Triq.: Anda logo, porra!
Ator: Zeus, grande deus…
SÚBITO, ESTOURA UM TROVÃO E UM FANTÁSTICO RELÂMPAGO. O EFEITO É ESPETACULAR: ZEUS DESCE À TERRA, DERRAMANDO RAIOS, MAJESTOSO.
Bursite: (NO PAPEL DE ZEUS) Eu sou Zeus, o deus dos deuses! O senhor dos milagres! Criador do universo! Trago salvação para todos!
Franci: Pu–uxa! Espera só até o Joaozinho Trinta ver isso!
Triq.: Então, Hepatite, que tal?
Escritor: Genial! Melhor do que eu esperava! É dramático, é do outro mundo! Já ganhei o festival! E é tão religioso! Olha só, eu fiquei todo arrepiado! Francilene… (AGARRA–A)
Franci: Segura a onda, cara…
A LUZ MUDA; MUDA O CENÁRIO.
Escritor: Preciso só reescrever algumas cenas.
Triq.: Posso te alugar a minha máquina de deus por quinhentinho a hora…
Escritor: (PARA BÁRBARO) Você pode fazer a apresentação da peça?
Bárbaro: Evidentemente.
TODOS SAEM. BÁRBARO FICA E CONTEMPLA A PLATÉIA. ENQUANTO FALA, UM CORO GREGO ENTRA E SENTA–SE NOS FUNDOS DO ANFITEATRO. TODOS DE BATA BRANCA, NATURALMENTE.
Bárbaro: Minhas senhoras, meus senhores, boa noite. Benvindos ao Festival de Teatro de Atenas. (SOM: APLAUSOS) Hoje, temos um belo espetáculo para vocês. Trata–se de uma nova peça de Hepatite de Rodes, chamada “O Escravo”. (SOM: APLAUSOS) Estrelando Diabete, no papel do Escravo; Bursite, no papel de Zeus; Blanche DuBois no papel de Blanche DuBois, Francilene Mesquita direto de Vaz Lobo, e grande elenco. (APLAUSOS) Este espetáculo tem o patrocínio exclusivo da Pizzaria Odisséia, logo ali, em frente ao Partenon. Não se faça de Medusa, com minhocas na cabeça: seja noite, seja dia, Pizzaria é Odisséia – ao som da Melopéia. Qualquer outra idéia é presente de grego. Homero era freguês da Pizzaria Odisséia – e olha que ele era cego! Então não esqueça, nem esmoreça: com Ulisses, sem Ulisses, Odisséia na cabeça.
ELE SAI. DIABETE FAZ O ESCRAVO FIDÍPIDES: ELE PERAMBULA PELA CENA COM OUTRO ESCRAVO GREGO, ENQUANTO O CORO DÁ O RECADO.
Coro: Acercai–vos, ó gregos, e ouvi a historia de Fidípides: homem sábio, homem hábil, embebido nas glórias da Grécia.
Diabete: Eu queria saber só uma coisa: que que a gente vai fazer com um cavalo tão grande?
Amigo: Mas eles nos querem dar o bicho de graça!
Diabete: E daí? O cavalo é todo de madeira, não serve pra nada. E é grande demais… Não serve nem pra bibelô. Vai por mim, Cratino. Se eu mandasse aqui, eu jamais confiaria num troiano. Você viu só? Eles não respeitam nem feriado!
Amigo: Você já soube o que aconteceu com Cíclope? Pegou catarata.
Voz Off: Fidípides! Mas onde se meteu esse escravo?
Diabete: Já estou indo, patrão.
Patrão: (ENTRA) Francamente, Fidípides! Tem uma porção de coisas para fazer! Tem uva para colher, tem a minha carruagem para consertar, tem água no poço para apanhar – e você aí de bobeira!
Diabete: Eu não estava de bobeira, patrão. Eu estava discutindo política.
Patrão: Escravo discutindo política! Ha! Ha! Essa foi boa!
Coro: Ha! Ha! Essa foi boa!
Diabete: Desculpe, patrão.
Patrão: Vá lá ajudar a nova escrava a arrumar a casa. Vou receber visitas logo mais. Depois, vá fazer as outras coisas.
Diabete: Que escrava?
Patrão: A Francilene Mesquita.
Franci: Chamou, meu senhor?
Patrão: Deixa de embromação e vá arrumar a casa! Anda!
Coro: Pobre Fidípides. Um mísero escravo. E, como todos os pobres e míseros escravos, ele só anseia por uma coisa na vida…
Diabete: Ser mais alto.
Coro: Ser livre!
Diabete: Que que é isso!? Não! Pára com isso! Eu não quero ser livre, não!
Coro: Na–ão!
Diabete: Deus me livre de ser livre!… Conheço muito bem a vida de escravo. Cuidam de mim, não tenho que tomar decisão. Nasci escravo e vou morrer escravo. Numa boa e sem grilo.
Coro: (VAIA) Uuuhhh… Uuuhhh…
Diabete: Vai tomar no cuuu… no cuuu…!
ELE BEIJA FRANCILENE, MAS ELA SE DESVENCILHA.
Franci: Pára com isso!
Diabete: Por quê? Francilene! Ó o meu coração, põe só a mão: ele rebenta de paixão.
Franci: Não vai dar certo.
Diabete: Por quê?
Franci: Porque você gosta de ser escravo e eu detesto. Quero a minha liberdade. Quero viajar, correr mundo, escrever livro, morar em Paris – quem sabe até ser editora de revista feminina.
Diabete: Pra que esse rebuceteio todo por causa de liberdade? É perigoso, isso… Cada um tem que conhecer o seu lugar. Você não está vendo, Francilene? É governo mudando todo dia, é político matando político, é cidade sendo saqueada, gente sendo torturada. Quando tem guerra, quem é que você pensa que vai pra luta? As-pe-sso-as-que-são-li–vres… A gente, não. A gente está fora dessa. Porque, seja o governo que for, vai ter sempre alguém precisando da gente pra lavar latrina… (AGARRA–A)
Franci: Pára com isso! Enquanto eu for escrava, nunca vou poder gostar de sexo.
Diabete: Não dá nem pra fingir que gosta?
Franci: Não.
Coro: E então, certo dia, os Fados vêm e intervêm na história.
ENTRAM OS FADOS: UM CASAL VESTIDO COMO TURISTAS AMERICANOS TÍPICOS, DE BERMUDAS E CAMISAS HAVAIANAS. BOB TRAZ UMA MÁQUINA FOTOGRÁFICA AO PESCOÇO.
Bob: Olá rapazes, olá pequenas! Nós somos os Fados. Eu sou Bob Fado e esta é minha esposa Wendy Fado. Necessitamos de alguém urgente para levar mensagem ao rei.
Diabete: Ao rei?
Bob: Estaria prestando um grande serviço para a humanidade.
Diabete: E–eu!!!
Wendy: Sim, você. Mas é uma perigosa missão. E, embora seja somente um escravo, você tem o direito de dizer não.
Diabete: Então, não! Tô fora!
Bob: Mas também te dará oportunidade ver o palácio por dentro, em toda sua esplendor e glória.
Wendy: E o prêmio é a sua liberdade em pessoa.
Diabete: Minha liberdade!? Olha, não leva a mal, eu adoraria, eu teria o maior prazer em ajudar os senhores, em ajudar a causa da liberdade, mas o caso é que eu tou com uma galinha lá dentro, no forno, e os senhores não vão me levar a mal…
Franci: Eu levo a mensagem!
Bob: É demais perigoso para mulher.
Diabete: Ela corre a pampa!
Franci: Fidípides, como pode recusar?
Diabete: Cagaço tem as suas vantagens.
Wendy: Nós imploramos você – por favor…
Bob: O destino da raça humana está em jogo!
Wendy: Nós aumentamos a recompensa: liberdade para você e para uma pessoa de sua escolha qualquer.
Bob: E mais um faqueiro de prata!
Franci: Fidípides, é a nossa oportunidade de ouro!
Coro: Aceita, ô babaca!
Diabete: Uma missão chamada “Perigo” e a liberdade no fim? Ai, que eu me borro todo!
Wendy: (PASSA–LHE UM ENVELOPE) Leve esta mensagem ao rei.
Diabete: E por que que vocês não levam?
Bob: Partimos para New York em poucas horas daqui.
Franci: Fidípides, você diz que me ama…
Diabete: E amo, mesmo!
Coro: Vai nessa, o Fidípides. Essa peça não dura a noite toda!
Diabete: Cês tão vendo? Já tão me obrigando a tomar decisão. (O TELEFONE TOCA E ELE ATENDE) Alô!
Woody: (OFF) Você quer fazer a fineza de levar essa porra dessa mensagem pro rei! Todo mundo aqui tem mais o que fazer!
Diabete: (DESLIGA) Está bem, eu levo… Mas só porque o Woody Allen mandou.
Coro: “Não formules desejos… Não é licito aos mortais evitar as desgraças que o destino lhes reserva!”
Diabete: Seus babaqueras! Vocês tão na peça errada! Isso aqui não é a “Antígona”!
Franci: Boa sorte, Fidípides!
Bob: E ele vai precisar, isso é com certeza…
Diabete: Como e que é?
Wendy: Não é nada… O Bob estava só gracejando…
Franci: E então, finalmente, quando formos livres, aí a gente vai e trepa. Quem sabe um dia eu ainda gozo… Ah… (PAUSA) Vai logo, anda!
Diabete: Já vou!
Coro: E assim Fidípides pôs–se a caminho, levando importante mensagem para o Rei Édipo.
Diabete: Édipo?
Coro: É.
Diabete: Não é aquele cara que come a própria mãe?
EFEITOS: VENTO E RELÂMPAGOS ENQUANTO ESCRAVO CAMINHA COM ESFORÇO.
Coro: … levando importante mensagem para o Rei Édipo, galgando profundas montanhas e atravessando altos vales.
Diabete: “Altas montanhas e profundos vales”, seus babaqueras! Onde é que foram arrumar esse Coro?
Corifeu: Chega de papo! Vai à luta!
Diabete: (ORGULHOSO) Vocês estão vendo como são as coisas? Até há pouco tempo, eu era um escravo que nunca tinha saído da casa do patrão. E – vejam só vocês e vejam bem e meditem direito – agora eu estou levando uma mensagem pro rei. Pensam que é pouca merda? É pro rei! Logo, eu serei um homem livre! Logo, logo, todas as possibilidades humanas se abrirão à minha frente… e… (T) lá vem essa vontade de cagar que não me larga… (VENTO)
Coro: Os dias fazem–se semanas, as semanas fazem–se meses. E Fidípides continua, pé ante pé, a seguir o seu caminho…
Diabete: Não dá pra desligar esses efeitos especiais, não?
Coro: Pobre Fidípides, um mísero mortal.
Diabete: Eu estou cansado, desarranjado e de saco cheio. Não dá pra continuar. Olha só: a minha mão está tremendo.
O CORO ENTOA “MORTE E VIDA SEVERINA”: “Esta cova em que estás…
Diabete: Morrer deve ser como não haver nascido e a morte talvez seja melhor do que a vida de dor e mágoas, pois não sofre quem não tem a sensação dos sofrimentos. (TOM) “Quero chorar, não tenho lágrimas que me rolem nas faces, pra me socorrer. Se eu chorasse, talvez desabafasse o que sinto no peito e não posso dizer. Só porque não sei chorar eu vivo triste a sofrer”… (VÊ HEPATITE OLHANDO PARA ELE) Desculpe… foi mal, eu me empolguei.
HEPATITE AGARRA–O PELO PESCOÇO E ARRASTA-O.
Hepatite: “Qual-é-a-sua”, meu jovem?
Diabete: O palácio! Cadê o palácio? Tou rodando há dias! Pergunta só pra eles. Mas que peça é essa? E esse palácio, onde é que fica? Na casa do/…
Hepatite: Se parar de esculhambar a minha peça, logo logo você chega ao palácio! Guarda! (T) Vamos lá, Diabete: peito pra fora, barriga pra dentro.
ENTRA UM GUARDA MUITO FORTE.
Guarda: Quem é você?
Diabete: Eu sou o Fidípides.
Guarda: O que o trouxe a este Palácio?
Diabete: Que palácio? Já cheguei!?
Guarda: Aqui é o palácio real. A mais bela estrutura arquitetônica de toda a Grécia: é tudo mármore, acrílico e fórmica…
Diabete: Podes crer… (T) Trago mensagem para o rei.
Guarda: Ah, sim. Ele está à sua espera.
Diabete: E a minha garganta está seca. E a minha barriga está vazia.
Guarda: Vou interceder por você junto ao rei.
Diabete: Pede um cachorro quente.
Guarda: Com mostarda ou prefere que eu te chupe?
Diabete: (RÁPIDO) Mostarda!
Guarda: (TIRA UM BLOQUINHO E ANOTA) Cachorro na mostarda…
Diabete: O que mais os senhores têm pra oferecer?
Guarda: Deixa eu ver… Que tal uma cenoura bem roliça?
DIABETE FAZ QUE NÃO.
Guarda: Um pepino redondinho?
Diabete: Não…
Guarda: Um jiló de amargar?
Diabete: Não, obrigado…
Guarda: Um nabo roxinho e bem picante?
Diabete: Não… agradecido…
Guarda: Salada de batata?…
Diabete: (RÁPIDO) Salada de batata!
Guarda: Sa-la-da-de-ba-ta-ta. Para beber?
Diabete: Uma coca média, sem gelo. E uma porção de “coquille Saint-Jacques”.
Guarda: É pra já!
Diabete: E traz o rei, é claro.
Guarda: (ENQUANTO SAI) Salta um cachorro batata, uma coca Saint-Jacques e o rei pra acompanhar.
OS FADOS ENTRAM, BATENDO FOTOS.
Bob: O que pensa do palácio?
Diabete: A-adorei!
Bob: (ENTREGANDO A CÂMARA PARA A MULHER) Tira uma de nós dois juntos.
BOB E DIABETE POSAM, WENDY BATE.
Diabete: Pensei que vocês fossem pra “New York”.
Wendy: Pois é, nós também pensamos. Mas você sabe como são os Fados…
Bob: Imprevisíveis… Mas a vida é assim mesmo, se assim lhe parece…
DIABETE SE INCLINA PARA CHEIRAR A FLOR NA LAPELA DE BOB.
Diabete: Linda flor!
Bob: Parece flor, é?
DIABETE LEVA UM ESGUICHO NA CARA E OS FADOS RIEM.
Bob: Ha! Ha!… Desculpe, mas não pude resistir.
ESTENDE–LHE A MÃO. DIABETE APERTA. LEVA UM CHOQUE DAQUELES ANÉIS ELÉTRICOS.
Diabete: Aiiii!!!
OS FADOS SAEM, RINDO.
Wendy: Ah, Bob! Você não toma jeito!
Diabete: (PARA O CORO) Vocês sabiam que ele ia fazer isso!
Coro: Ele é bobo a pampa.
Diabete: Por que que vocês não me avisaram?
Coro: A gente não está aqui para se meter.
Diabete: Não estão aqui pra se meter!? Vocês são iguais àquelas 16 pessoas que ficaram olhando uma mulher morrer esfaqueada no centro da cidade, em plena luz do meio-dia – e não fizeram nada!
Coro: A gente leu isso no jornal. E não foram 16 pessoas; foram só 15.
Diabete: E daí!? Bastava que uma pessoa tivesse feito alguma coisa e ela podia estar aqui, conosco, agora!
Coro: Já!
E ENTRA MULHER COM UMA FACA CRAVADA NO PEITO.
Mulher: Aqui estou eu.
Diabete: Só pra queimar a minha língua…
Mulher: Ia fazer vinte e cinco anos que eu trabalhava ali no Ministério. Nenhuma anotação no meu cartão de ponto, nenhuma. E estava eu lendo o meu santo jornal de todo dia, ali na fila de todo dia do ônibus para Todos os Santos, quando, de repente, seis inclementes brutamontes endoidivados pela ação do tóchico nos seus tecidos cerebrais me agarram, me atiram no solo, me humilham e me vilestupreiam, os tarados!… E o meu santo jornal saiu–se a voar pelo ar…
Corifeu: Corta rápido pros homens!
Coro: Eram três e não seis…
Mulher: Três, seis, tanto faz. Todos portavam facas em suas mãos. Era um assalto a mão armada; queriam o meu santo dinheiro.
Diabete: A senhora deveria tê–lo dado a eles.
Mulher: “Tê–lo dado” que eu dei… Mas, debalde, continuaram a me esfaquear, sem dó nem piedade.
Coro: Cidade grande, hoje em dia, é fogo!
Diabete: Hoje em dia? Que nada! Há pouco tempo atrás, eu estava andando com o Sócrates lá em Atenas e dois pivetes desses de Esparta saíram detrás da Acrópo-le e…
Mulher: E?
Diabete: … exigiram todo o nosso dinheiro!
Mulher: E aí?
Diabete: Aí o Sócrates provou pra eles, usando só a lógica, que o mal era mera ignorância da verdade… uma quimera…
Mulher: E aí?
Diabete: Aí eles foram e meteram–lhe a porrada.
Mulher: Por falar nisso, eu só espero que esta sua mensagem traga boas notícias para o rei.
Diabete: Que seja pro bem dele.
Mulher: Não, pro seu bem.
Diabete: Pois é… (T) Como é que é!?
Coro: (DEBOCHANDO) Ha! Ha! Ha! – Ha! Ha! Ha! – Ha! Ha!
A ILUMINAÇÃO TORNA–SE SINISTRA.
Diabete: Ué, a luz mudou! Que que isso quer dizer? Que que acontece se as notícias forem ruins?
Mulher: Antigamente, mensageiro que trouxesse notícia boa recebia um prêmio do rei.
Diabete: Prêmio?
Coro: Um Carne do Baú da Felicidade.
Mulher: Mas, agora, se as notícias forem ruins…
Diabete: Nem me conta!
Mulher: O rei manda pendurar o Mensageiro pelos testículos.
Diabete: Agora é agora ou é antigamente?
Mulher: O senhor não lê os jornais?
Diabete: Ah, Hepatite! Só agora entendo o sentido e o peso do que você me dizia!
Mulher: Mas quando o rei está de bom humor, aí o mensageiro é só degolado e mais nada.
Diabete: Bom humor, degolado. Mau humor…
Coro: Mas se as notícias forem mais que ruins, mas se as notícias forem péssimas…
Mulher: Aí o Mensageiro é assado vivo mesmo.
Coro: Em fogo brando, na pimenta do reino, com batata na boca. Batata esquenta a pampa.
Diabete: Isso é tudo por causa da Francilene Mesquita! Ah se eu pego aquela metodista de subúrbio!
Mulher: Ela não lhe será de valia alguma: está a quilômetros daqui.
Diabete: Francilene! Franci, cadê vocêzinha?
Franci: (NA PLATÉIA) Que que cê quer?
Diabete: Que que você está fazendo aí?
Franci: A peça me deu no saco.
Diabete: Como “deu no saco”? Já, já pra cá. Eu tou aqui fodido e mal pago – e tudo por tua causa!
Franci: (LEVANTANDO–SE) Não leva a mal, Fidípides. Não tenho obrigação de saber História Antiga. O meu lance é Filosofia, você sabe.
Diabete: O Francilene, se as notícias aqui forem ruins, eu tou frito – ou tou assado…
Franci: Tou sabendo.
Diabete: E cadê a tal da liberdade?
Franci: Às vezes a gente se dá bem, às vezes a gente se dá mal…
Diabete: “Se dá bem, se dá mal”! Foi isso que você aprendeu lá na Gama Filho?
Franci: Aí, ô cara, larga do meu pé!
Diabete: Largar o quê! Se as notícias forem ruins, eu tou morto… (P) Hei! Pera aí! A mensagem! Tou com ela aqui!
DIABETE REVIRA OS BOLSOS, TIRA A MENSAGEM DO ENVELOPE, LÊ.
Diabete: E para O Melhor Ator Coadjuvante, o vencedor é… (USA O NOME DO ATOR QUE INTERPRETA HEPATITE)
Hepatite: (ENTRA) Minhas senhoras, meus senhores, ao receber este prêmio, eu gostaria de agradecer ao papai e a mamãe pelo estímulo que sempre me…
Ator: Cai, cai fora! Eu peguei a mensagem errada!
ELE TIRA DO BOLSO A VERDADEIRA MENSAGEM.
Mulher: Rápido, avia–te, que o rei se aproxima!
Diabete: Vê se ele está trazendo o meu cachorro quente.
Franci: Anda, Fidípides!
Diabete: (LÊ) Gente!… Só tem só uma palavra!
Franci: Sim?
Diabete: Como é que você sabe?
Franci: Sabe o quê?
Diabete: Que a mensagem só diz… que aqui só diz “sim”?
Coro: “Sim”!?… Ah, “sim”… Pois que seja assim… que seja sim, então… Pois não… E “sim”, assim, será bom ou ruim?…
Diabete: Não sei, não… “Sim” é afirmativo? É, pois, “sim”, sim? Ou é “pois sim”, portanto, “não”?…
Franci: E se a pergunta tiver sido: “O Mensageiro morre ou não morre?”…
Diabete: “Sim”… (T) Meu cacete!
Coro: Larga o “cacete” e se apruma, cacete!… (ANUNCIA) Sua Majestade, o rei!
FANFARRA E POMPA PARA A ENTRADA DO REI.
Diabete: Ô, “seu” rei, foi bom o senhor aparecer por aqui agora. Queria saber, assim, do senhor, com toda a sua sinceridade… Afinal, sim é sim ou não?…
Rei: Quem pediu esse cachorro quente?
Diabete: Foi este seu fiel servidor, sim senhor, pois não… (T) Mas isso aí é cenoura! Eu pedi salada de batata!
Rei: Batata tá acabando. A gente está guardando pros assados.
Diabete: Então pode levar de volta. Vou comer aqui na cantina do teatro, mesmo. Tchauzinho.
Coro: A mensagem!
DIABETE FAZ GESTOS PARA O CORO SE CALAR, PSIUS, ETC.
Coro: A mensagem! Ele é o Mensageiro e Mensageiro traz mensagem… A mensagem! A mensagem! Ele é o Mensageiro e Mensageiro/…
Rei: (COMO ATOR CABOTINO) Escravo meu, humilde escravo meu! Traz–me uma mensagem a mim?
Diabete: Rei meu, humilde rei meu! Eu, seu humilde escravo, escravo de vossa majestosa realeza, realmente, como de fato estava escrito nessas mal traçadas…
Rei: Pois não?
Diabete: Será que não dava pro senhor me adiantar aí qual que era a pergunta que a mensagem respondia?
Rei: Primeiro a mensagem.
Diabete: Não, absolutamente, é muita generosidade de Vossa Majestade, mas é que primeiro vem a pergunta, depois é que vem a resposta… Portanto, queira ter a bondade, primeiro Vossa Majestade…
Rei: Primeiro você!
Diabete: Não, você!
Rei: Não, você!
Coro: Faz o Fidípides falar primeiro.
Rei: Ele?
Coro: Claro, porra!
Rei: Mas como?
Coro: Você é o rei, ô babaca!
Rei: Ah! A mensagem! Guarda!
O GUARDA PUXA DA ESPADA.
Diabete: A mensagem é: ssss – nnnnnnn – (ESTUDA AS REAÇÕES DO REI ANTES DE LÊ–LA) nnnnãosss – sssseeee – iiii sseee – mmmnnnnaaaonnnn – hemmm-quemmm-ssssaaabeee – heeemmmmmmm???…
UMA PAUSA.
Coro: Majestade, ele está de sacanagem.
Rei: A mensagem, escravo!
GUARDA ENCOSTA A ESPADA NO PESCOÇO DE DIABETE.
Diabete: É só uma palavrinha só, Majestade!
Rei: Uma só palavra!
Diabete: Esquisito, né não? Eu também achei, mas as coisas são o que são, né não?… Ou não?
Rei: Uma única palavra para responder à pergunta das perguntas!
Diabete: Agora diz aí… qual é a pergunta?…
Rei: Ora, a pergunta é… é…
Diabete: Diz!
Rei: “Deus existe?”
Diabete: Ah… A pergunta foi essa aí, é?
Rei: Ué, é! Esta é a única pergunta!
Diabete: (OLHA PARA FRANCILENE, ALIVIADO) Assim sendo, tomado de orgulho, júbilo e emoção, comunico–lhe a resposta. E a resposta é….: SIM!
Rei: Sim?
Diabete: Sim.
Coro: Sim.
Franci: Sim.
Diabete: Tá na tua vez.
Mulher: (CICIANDO) Sssssiimm.
DIABETE OLHA PARA ELA DE ESGUELHA.
Franci: Não é o m’or barato?
Diabete: Sim, sim, eu – iluminado por estas luzes divinas que me iluminam – percebo que Vossa Majestade está pensando numa recompensa à altura, para este seu fiel e humilde escravo. Mas nossa liberdade é mais do que suficiente. Por outro lado, em contra-partida, como percebo – iluminado por estas, etc – que Vossa Magnífica Majestade insiste em demonstrar, exibir, patentear e proclamar a Vossa gratidão, estamos longe de recusar o Carnê do Baú e eu/…
COM UM GESTO DE MÃO, ELE IMPÕE SILÊNCIO.
Rei: (COM VOZ GRAVE) Se Deus existe, o homem não é responsável por seus atos – e eu, com toda certeza, serei julgado pelos meus pecados.
Diabete: Como é que é?
Rei: Julgado por meus pecados, por meus crimes, meus hediondos crimes! Eu estou condenado! (T) Tu! A tua mensagem condena–me à eternidade!
Diabete: E eu lá disse “sim”? Mas quem disse que eu disse “sim”? Eu não disse “sim”, não. Eu disse “não”, não lembra, não?
GUARDA AGARRA O ENVELOPE, LUTA UM POUCO COM DIABETES E LÊ A MENSAGEM.
Guarda: Majestade, a mensagem diz “sim”.
Rei: Argh! Esta é a pior notícia que eu podia ter recebido na vida!
Diabete: (CAINDO DE JOELHOS) Majestade, a culpa não é minha! Eu sou apenas um humilde Mensageiro. Muita vez, em caminho, hesitante, parei, a fim de refletir, e me voltei, disposto a desistir. Meu espírito a mim mesmo dizia: “Por que vais, desgraçado, aonde serás castigado assim que chegares?” – Ou então: “Infeliz! Tu ficas aí? E se Creonte souber disso por um outro, como serás punido? Assim pensando, retardei–me num percurso que me pareceu longo… Resolvi, por último, vir de qualquer forma. E, posto que pouco tivesse a dizer, disse, mas não fi–lo, nem qui-lo. Assim sendo, sendo “sim”, anima–me a esperança de que nada me acontecerá que não seja a vontade divina!
Rei: Você vai ser pendurado pelos culhões…
Franci: Mas pelos cul… Não, ele é só um Mensageiro!
Diabete: Obrigad/…
Franci: Assa ele na pimenta!
Rei: O bofe é seco demais.
Diabete: Ma–Majestade – sejamos sensatos – quando o Serviço de Meteorologia prevê tempo ruim, a Vossa Majestade manda matar o meteorologista?
Rei: Mando!
Diabete: Meu cacete, esse cara é doidão!
Rei: Guardas, prendam-no!
GUARDA AGARRA DIABETE.
Diabete: Espera, Majestade. Uma palavrinha só…
Rei: Pois não?
Diabete: Isso aqui é só uma pecinha de teatro… Diversão, passa tempo…
Rei: (INDICA A PLATÉIA) Isso é o que eles pensam… Guarda, dê–me a tua espada! (CANASTRÃO) Quero dar–me a mim o prazer de exterminar este canastrão! O mundo é pequeno para nós dois…
Franci: Oh, não; não, oh! Por que que eu fui me meter nessa?
Coro: Não se torture, não se amargure. Você ainda é moça: logo, logo arranja outro.
Franci: (PENSA) É verdade…
Rei: (LEVANTA A ESPADA) Morra, patife!
Diabete: Oh, Zeus – Deus dos Deuses – salve–me com o seu raio salvador!
TODOS OLHAM PARA CIMA, MAS NADA ACONTECE: UMA SITUAÇÃO DELICADA.
Diabete: Zeus, oh, Zeus!…
Rei: E agora, morra, patife!
Diabete: Oh, Zeus… Ô (NOME DO CONTRA–REGRA), cadê a porra do Zeus!?
Hepatite: (ENTRA E OLHA PARA CIMA) Pelo amor do Cristo, o Zeus, anda logo com essa máquina. Desce, vai!
Triq.: (ENTRA PELO OUTRO LADO) A roldana, ela emperrou…
Diabete: (DANDO A DEIXA) Zeus…
Coro: O fim é igual para todos…
Diabete: Oh, Zeus…
Coro: Babáu!…
Diabete: Zeus…
Coro: Babáu!…
Diabete: Ze-us…
Mulher: Eu é que não vou permanecer imóvel, aqui, e vê–lo ser esfaqueado… como eu o fui, no meio da via pública… debalde… sem dó nem piedade!
MULHER FAZ QUE VAI FUGIR.
Rei: Agarra ela.
O GUARDA AGARRA A MULHER E O REI A ATRAVESSA COM A ESPADA.
Mulher: É a segunda vez na semana! Brutamonte endoidivado!
Diabete: Oh, grande Zeus! Meu Deus, soco–oorro!
EFEITOS. RELÂMPAGOS. ZEUS É DESCIDO DESAJEITADAMENTE. ELE ESTREBUCHA: O ARAME O ESTRANGULOU. TODOS OLHAM ESPANTADOS.
Triq.: Alguma coisa saiu errado; problema na “deus ex machina”…
Coro: Até que enfim vemos Deus! Até que enfim temos Deus! Deus, Deus, é Deus em pessoa! Aleluia! Aleluia! Salve, Deus! Salve, Deus!
MAS DEUS JÁ ESTÁ MORTINHO DA SILVA.
Diabete: (PARA O CORO) Não tem salvação… (T) Deus… De–us… U–uu… Ô, Deus… Cê tá legal? Tem um médico aí na platéia?
Medico: (NA PLATÉIA) Eu sou médico.
Triq.: A máquina pifou…
Hepatite: Cala a boca! Ce tá atrapalhando a peça!
Diabete: Deus morreu!
Medico: Tinha seguro Bradesco?
Hepatite: Improvisa…
Diabete: Improvisa o quê?
Hepatite: Improvisa o final!
Triq.: Foi alguém que puxou a alavanca errada!
Franci: Fratura de pescoço.
Rei: (TENTANDO CONTINUAR A PEÇA) Ah, Mensageiro, estás vendo o que fizeste? Canalha! Biltre!
O REI BRANDE A ESPADA. DIABETE A AGARRA. ELES LUTAM.
Diabete: Me dá isso!
Rei: Que que cê tá fazendo?
Diabete: Me matar, né? Ô Francilene, vem me ajudar, aqui!
Rei: Fidípides, que que você está fazendo?
Guarda: Ô Hepatite, corre, que ele está acabando com o final da tua peça!
Coro: Ficou maluco, o Fidípides? É o Rei que tem que matar você!
Diabete: E quem foi que disse isso? Onde é que isso está escrito? Negativo: prefiro matar o Rei!
ELE ENFIA A ESPADA NO REI, MAS A ESPADA É DE MENTIRA.
Rei: Pára, pára com isso! Esse cara é louco! Pára, que isso faz cócegas! Ha, ha, ha!
Medico: (TOMANDO O PULSO DE DEUS) Ele está clinicamente morto. É melhor removê–lo daqui.
Coro: (ENTOA, MELODIA DE “TOURADAS DE MADRID”) Nóóóós… não temos nada a ver com isss… – pararatimbum, bum, bum; pararatimbum, bum, bum…
O CORO SAI, CARREGANDO O CORPO DE DEUS E ENTOANDO, COM A MELODIA DA MÚSICA TOURADAS DE MADRI:
Coro: Nóóóósss não temos nada a ver com na-ada… nem com Peri-i-i, nem com Ceci… pararatimbum, bum, bum… pararatimbum, bum, bum…
Hepatite: Minha peça!… a minha peça!… (PARA O CORO) Onde é que vocês pensam que vão?
Rei: Eles, eu não sei. Mas eu vou telefonar pro meu advogado… (SAI)
Diabete: Tan-ta-rann!… E o escravo, de plena posse do seu livre arbítrio, decide tornar–se herói!
Franci: Livre!… Enfim!…
DIABETE ATACA O GUARDA, MAS A ESPADA AINDA É A DE MENTIRA.
Guarda: Que que cê tá fazendo? Cara maluco…
Franci: Fidípides!…
Diabete: … Francilene!…
Franci: … Eu te amo!…
Diabete: … Mais do que ontem!…
Franci: … E menos do que amanhã!…
ELES SE BEIJAM CINEMATOGRAFICAMENTE.
Diabete: E agora, Francilene, a gente vai e trepa!…
Franci: Agora não… não estou a fim.
Hepatite: Esta peça é séria! Tem até mensagem! Se a gente fracassar, a platéia nunca vai entender a mensagem!
Mulher: Teatro é diversão, ô mentecapto! Quem gosta de mensagem é carteiro.
Carteiro: (ENTRA DE BICICLETA) Carteiro! Carteiro! Mensagem para a platéia! É a mensagem do autor!
Diabete: Quem é esse cara?
O CARTEIRO DESCE DA BICICLETA E LÊ O TELEGRAMA.
Carteiro: “Deus morreu. PT. Cada um por si. PT.” Assinado: Funerária Valparaiso.
Diabete: Pronto, tudo é possível. Agora o herói sou eu e está acabado!
Franci: Virgem, que eu acho que vou gozar! Aaaa-go–o-ora!
Carteiro: (CONTINUA LENDO) “Destarte, Francilene Mesquita está autorizada a ter o seu respectivo orgasmo. PT. Mas só se ela assim livremente arbitrar. PT”.
O CARTEIRO AGARRA A FRANCILENE.
Franci: Pára! Pára!… PT! PT!
O CARTEIRO SOLTA-A. ENTRA UM GALÃ.
Cristi: Simone! Simone! Sou eu, o Cristiano, da novela “Selva de Pedra”.
Hepatite: Era uma vez a realidade…
GRANDE OTELO CORRE ATRÁS DE BLANCHE DUBOIS. NA PLATÉIA, UM HOMEM SE LEVANTA.
Homem: Já que agora tudo pode, eu vou é mandar meu emprego pras picas! Estou de saco cheio de tirar cuticula de pé de madame. Fechei, fechei a minha bancada!
ELE AGARRA UMA MULHER NA PLATÉIA. RASGA–LHE A BLUSA, E CORRE ATRÁS DELA PELAS COXIAS – PARA ISSO, PODE–SE USAR A LANTERNINHA.
Hepatite: A minha peça…
OS PERSONAGENS ABANDONARAM O PALCO, DEIXANDO APENAS OS DOIS PERSONAGENS DO INÍCIO, O ESCRITOR E O ATOR, HEPATITE E DIABETE. Hepatite:A minha peça…
Diabete: Até que tava boa. Só precisava de um final.
Hepatite: Mas o que que ela queria dizer?
Diabete: Nada… absolutamente nada…
Hepatite: O quê?
Diabete: Besteira. Vazia.
Hepatite: É o fim.
Diabete: Claro. A gente não está discutindo o fim?
Hepatite: Estamos sempre discutindo o fim.
Diabete: É porque não dá pé.
Hepatite: Admito que esteja pouco satisfatório.
Diabete: Pouco satisfatório? Um cocô!
A LUZ COMEÇA A CAIR EM RESISTÊNCIA.
Diabete: O negócio é começar a peça pelo fim. Imagina um final bem forte e depois escreve de trás pra frente.
Hepatite: Já tentei isso… Acabei com uma peça sem começo.
Diabete: É um absurdo!
Hepatite: Absurdo? O que que é absurdo?

BLACKOUT